Diversão e Arte

Chico Alvim reúne poemas dos últimos 10 anos num livro refinado e exato

Nahima Maciel
postado em 12/09/2011 08:43
Em <i>Um metro nenhum</i>, o poeta constrói versos com pedaços de cotidiano e crítica social
Francisco Alvim é um cara apaixonado pelo século 19. Ou melhor, viciado, nas palavras do próprio. É que naqueles tempos valorizava-se a narrativa, a grande prosa. Quando entra em um elevador ou escuta conversas alheias em uma sala de espera, Alvim sempre imagina como Balzac, Tolstoi ou Machado se apropriariam das falas de outros e as transformariam em algo grandioso munidos apenas, digamos, de uma tesoura forjada no século 20. A imagem é boa para mergulhar em O metro nenhum. O novo livro de poemas de Alvim foi um pedido da Companhia das Letras. O poeta aceitou reunir os versos dos últimos 10 anos, todos produzidos após a publicação de Elefante, em 2000. Uma espécie de continuação. ;Cobre uma polegada da pegada do paquiderme; para diante;, garante o autor.

O poeta fala na perfeição do metro em poema que rendeu o título e aí reside o compromisso de Alvim com a poesia e o flerte com a narrativa, eventualmente marcante em alguns versos. A perfeição é assim: ;Aquele ponto fabuloso que a Revolução Francesa nos legou, resultante do encontro do nem o mais com o nem o menos. Na poesia, esse ponto miraculoso soa, ecoa e reboa.; Coisas ouvidas aqui e ali, ;algumas toneladas; de cotidiano servem de matéria para o poeta. Quando viram versos, acabam ;amarradas com barbante, sem nó cego, fácil de desamarrar;. Assim, muitas vidas valem um poema. Especialmente aquela de Amor, uns versinhos ousados sobre a moça que bolina o namorado no restaurante do aeroporto.

A crítica social também está lá. E o poeta prefere que ela seja abrangente. Fala em crítica à vida, mais do que à sociedade. ;Faço as maiores restrições à vida que se leva neste nosso mundo. A despeito das boas coisas: avião, museus atraentes, cidades babilônicas, hospitais e medicamentos miraculosos... próprias da minha classe;, avisa. É uma sensação, ele explica, de que a própria mão não alcança o que tem à frente. E a poesia nisso tudo? Teria ela o poder de reformar o mundo? ;Deixamos pra trás a idade das revoluções, ao que parece. Quem sabe agora vai sobrar mão de obra desocupada e teremos condições para dar uma resposta definitiva a essa questão excruciante?;, constata o poeta.

Uma boa resposta ele oferece em Histórias de neto. Essas, no geral, são bem chatas. O aviso vem no primeiro verso. Então Alvim expõe uma escala de valores cruel e aproveita para exercitar a ironia. A babá roubou um quilo de arroz, mas não levou o Cartier. E o bebê, já bem adestrado, ficou preocupado: podiam ter roubado a chupeta. Pois é, os versos de Alvim sempre teimam em contar alguma coisa. Por isso o poeta admite não ser homem de experimentações. Não, pelo menos, de experimentação formalista. ;(Aquela) que parte basicamente do reconhecimento do fim do ciclo do verso, mas não apenas: também de um curto-circuito total na capacidade de representação e de expressão do poema;, explica. ;Com esse tipo de experimentação, não tenho realmente afinidade. Contudo, sou muito atraído por outro tipo de experimentação: aquela que ocorre com as funções do ritmo em poesia, com o papel da oralidade na construção da linguagem do poema, com o valor semântico das palavras na feitura da frase, com a sintaxe das frases, com os modos pelos quais a tradição pode e deve ser incorporada.;

Palavras
Há vários pequeninos nichos em O metro nenhum, mas uma temática ligada ao tempo perpassa boa parte deles. É ;tema gasto;, nas palavras do poeta, e vem associado a ideias de casa, aposentadoria, morte, guerra e aniversário.

É o poema Através, o último do livro, o responsável por evidenciar as interseções temáticas de O metro nenhum. ;Um pouco mais de tempo para conhecer-nos;, pede um verso. ;Tenha um bom (have a nice) weekend;, diz outro. ;Viu, lá fora?/A gaivota!”, encerra o poeta. ;(Ele) dá uma ideia. Tudo atravessa tudo. Nas asas da gaivota;, diz Alvim. Mas o futuro, com esse ele tem dificuldade. Como o futuro não existe, trata-se apenas de uma possibilidade. ;Sou cego e surdo aos sinais que ele pretende emitir desse lugar, melhor dito, desse não-lugar. Na poesia, então... Quanto à desimportância de tudo, é difícil não acreditar nela, ou pelo menos não tentar utilizá-la como barricada, quando se tem em mente a condição danificada do presente.;


Histórias de neto
São muito chatas
Mas esta vale a pena
a babá
mocinha treze catorze anos
resistiu o quanto pôde
mas acabou que
confessou tudo
Só que tudo era outra coisa
muito pouco
quase nada
cinco reais um lençol um quilo de arroz
o Cartier, negou
Ele três aninhos só ouvindo
e
de repente:
(nunca vi criança tão inteligente)
Mas que perigo
podiam ter roubado
a minha chupeta

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