postado em 13/09/2011 08:37
Quando se viu pela primeira vez na tela de cinema, o diretor e ator Hugo Rodas teve a sensação de morte. Olhava para a imagem projetada e parecia não ser ele quem estava ali. Hoje, ao folhear o livro que registra a trajetória pessoal e artística, pressente que experimentará sentimento similar.
; É estranho. É como se roubassem a minha alma.
O ;nó; que trava a garganta de Hugo Rodas é típico daquelas pessoas que não podem ser cristalizadas, em sua totalidade, em centenas de milhares de palavras, por mais gentis e históricos que esses vocábulos venham a ser. Quem já ficou diante do criador uruguaio-brasiliense sabe que o homem se converte em energia, em força, quando está diante do palco, seja no processo de criação, seja na exibição do espetáculo. E essa característica efêmera e etérea, como é a natureza do teatro, não pode ser aprendida. Não é palpável.
; Não sei o que as pessoas escreveram sobre mim. Só vi algumas fotos.
Hugo Rodas, o livro, será lançado hoje, às 19h, na Livraria Dom Quixote (CCBB), com bate-papo entre o diretor e o dramaturgo Marcus Mota, que assina, na obra, o capítulo Todos os teatros de Hugo Rodas, no qual resgata o contexto anterior à vinda do homenageado a Brasília. Ele fala de um Uruguai que respirava uma utopia libertadora.
; A história pessoal e artística de Hugo Rodas se sobrepõe sob o horizonte daquilo que depois ficou identificado como contracultura, popularizada sob o emblema do sexo, drogas e rock and roll. Mas a versão uruguaia disso, além de pouco discutida, possui diferentes facetas da brasileira (;). A busca de liberdade por jovens de classe média, essa pulsão por novas experiências, impulsionada por livros e representada pelo cinema, encontrou no Uruguai um espaço estratégico, observa Marcus Mota.
[SAIBAMAIS]
O Hugo Rodas que chega a Brasília em março de 1975 para dar um curso de dança numa escola de balé clássico é, portanto, uma pessoa que tem uma intimidade extrema com a liberdade. Mesmo numa Brasília cerceada pelo governo militar, ele conseguiu ver a amplidão e a preponderância dos espaços.
; Parecia uma grande fábrica, onde todo mundo estava ativo, criando tudo o que ela (a cidade) precisava para ser. Fiquei admirado, me senti novo, pisando no novo. No fim do curso, me perguntaram do que eu precisava para ficar e respondi: ;Alunos e um lugar para trabalhar;.
Laboratório no corpo
Foi assim, enlaçado pelo desejo, que Hugo Rodas se fixou em Brasília. No artigo Candango forever, escrito para o livro, ele relata as primeiras impressões sobre Brasília, percebidas da janela do avião. O vermelho intenso da terra, o azul infinito do céu. A paixão daqueles aprendizes por um homem que nunca tinha pensado em ser mestre.
; A minha vontade de ficar era inexplicavelmente forte, as pessoas, em apenas 15 dias, tinham se apaixonado pelo trabalho que eu havia feito e isso me passou uma segurança que eu não tinha vivenciado. Como resposta, recebi uma lista com 50 nomes e um espaço para dar aulas, que era a sede social do Clube do Congresso, lembra.
A sala de aula ou laboratório de corpo, onde Hugo aplicava técnicas de teatro-dança ainda não vistas em uma Brasília menina, foi demolida. Recentemente, o diretor levou parentes uruguaios para conhecer o seu marco zero e não havia nada lá. A sensação do vazio material, no entanto, contrapõe-se ao bem imaterial que o homem de teatro ergueu na cidade. Como diretor do Grupo Pitu, que alinhou Brasília ao moderno modo de fazer teatro em coletivo, ou como o professor inquieto da Universidade de Brasília, Hugo Rodas amplificou, como um furacão, as rajadas de ventos do DF ao mundo, anunciando que se fazia teatro na capital do poder.
; A história de Brasília e da arte de Brasília é atravessada pela inovadora e clara instigação chamada Hugo Rodas. Com o Grupo Pitu (1977-1981), a Companhia dos Sonhos (1999-2005) e o Tucan (1992-2008), em trabalhos de formação de artistas e plateia. Hugo tem ininterruptamente projetado para si e para a cultura brasileira um compromisso de qualidade e radiante brilhantismo que atravessará gerações, observa Marcus Mota.