Diversão e Arte

Diretor de A concepção acredita que o festival deve se reinventar

postado em 27/09/2011 08:34

É com cautela que o cineasta José Eduardo Belmonte vê as mudanças no perfil do Festival de Brasília. ;Esperemos;, aconselha o diretor de 41 anos, cuja trajetória se conecta de forma intensa à história recente da mostra. ;Quando se envelhece, constata-se que é preciso ter uma mente dinâmica, se reinventar;, afirma. Os erros que arranharam a história do evento tornam este, segundo ele, um momento delicado. Mas o diretor de filmes provocativos como A concepção (2005) e Meu mundo em perigo (2007), ambos concorrentes a Candangos em edições anteriores, entende que a disposição para o risco se faz necessária. ;Os festivais mais importantes são aqueles que conseguem se equilibrar em quatro frentes: são festas, feiras de negócios, fóruns de debates e espaços de resistência para novas tendências e linguagens;, define.

Em entrevista ao Correio, Belmonte, nascido em São Paulo e formado na Universidade de Brasília (UnB), distancia-se dos próprios filmes para conversar sobre o futuro do Festival de Brasília e alguns dos temas em discussão hoje no cinema brasileiro, como o apelo do mercado internacional e a influência da televisão nas produções comerciais. O realizador, que ganhou o Candango de melhor filme em 1995 (pelo curta 5 filmes estrangeiros) e venceu o Prêmio Saruê (entregue pela equipe do Correio aos melhores momentos do festival) por Se nada mais der certo (em 2009), hoje está envolvido na finalização da comédia Billi Pig, com Selton Mello e Grazi Massafera, e na adaptação do livro Lobão ; 50 anos a mil, projeto que deve começar a ser filmado no segundo semestre de 2012.


Para os filmes de baixo orçamento, qual é o papel dos festivais?
Sem dúvida, é um espaço em que conseguem ter visibilidade e minimamente chegar a um público grande, que, pela lógica da festa do evento, sai de casa para vê-los. Se eles fossem direto para o mercado, talvez nem fossem vistos. Acredito que essa visibilidade do festival aumenta quando filmes de baixo orçamento são colocados com outros de grande orçamento. Coisa que o Festival de Cannes descobriu há tempos.

Tornou-se um lugar-comum afirmar que o sucesso de filmes comerciais estimula a produção de filmes pequenos. Na prática, isso acontece?
Sim. Ainda existe uma certa mentalidade de latifúndio da monocultura no cinema, mas hoje é infinitamente mais fácil virar um cineasta com primeiro filme do que 20 anos atrás, quando eu estava fazendo cinema na UnB.

Muitos dos filmes que chegam ao circuito brasileiro de festivais geralmente estreiam em mostras internacionais. Qual é a importância dessas mostras para os filmes com esse perfil?
A questão que eu vejo é que os filmes pequenos, de baixo orçamento, buscam pensar em linguagem e serem mais universais. Nossos filmes comerciais, com raras exceções, só pensam no mercado brasileiro e em repetir fórmulas. Nesse sentido, no Brasil se vive um descompasso entre prestígio e ganhar dinheiro.

Por que o mercado internacional se tornou uma meta frequente para filmes de baixo orçamento?
É uma forma de furar bloqueios. O estrangeiro que vê seu filme não quer saber se você tem dinheiro, se você é filho de fulano ou sicrano ou se o produtor é seu amigo. Tem uma margem bem boa para isso acontecer, mas nem sempre isso acontece. Existe um jogo de influências forte em festivais internacionais também. É preciso desmistificar isso.

Conquistar o mercado internacional é um objetivo viável para o cinema brasileiro, ou seria melhor que os cineastas se concentrassem no mercado interno?
O que vejo é que estamos a léguas do mercado internacional. Mercado internacional vai além de passar em festivais. Ou por falta de política ou pela questão da língua. No entanto, cada vez mais diretores brasileiros vão filmar fora. Pode ser um caminho. Eu mesmo estou fazendo um filme com produtores de fora, filmado no Chile, no Uruguai, e falado em espanhol. Nesse processo, ainda estamos quase todos na fase empírica.

Fala-se muito na influência de uma certa "estética televisiva", em parte da produção brasileira, principalmente a mais comercial. Já passamos dessa fase? E de que forma a tevê pode dialogar com o cinema brasileiro?
Quero responder a essa pergunta daqui a dois anos. Depois da PL 116, que, sem dúvida, é um marco divisório sobre a produção audiovisual no Brasil. Sobre a estética televisiva no cinema, isso é uma questão mundial. O nosso agravante é que a televisão brasileira ainda tem muito do ranço radiofônico. Todas as tevês vieram do rádio. Tudo precisa ser dito e não somente visto.

O Festival de Brasília ainda tem o peso político de quando foi criado, nos anos 1960?
Nada mais tem o peso político de 50 anos atrás. O tempo é outro, as pessoas querem outras coisas e, principalmente, Brasília é outra. A própria forma de ver cinema mudou. Antes, predominava a ideia de você ver um filme procurando o diálogo, colocar-se em dúvida e estabelecer uma jornada intelectual. Hoje, tanto o espectador de filme comercial como o de ;arte; quer ir ao cinema para reafirmar suas ideias sobre o mundo. A plateia do festival mudou também. Se antes predominava a lógica do debate, hoje predomina a lógica de um evento social. Logo, a plateia vai fazer papel de plateia. Numa visão otimista, isso seria interatividade. Em uma pessimista, muito pelo contrário. O festival, para o bem ou para o mal, vai a reboque do seu tempo.

Na sua opinião, as mudanças na estrutura do Festival de Brasília (aumento da premiação, queda do critério de ineditismo para longas) tendem a revitalizar o festival?
O que torna delicado este momento, e tem causado apreensão de muitos, é que já foram cometidos muitos erros no passado, por preguiça, vaidade, ambição, descaso ou inoperância. Mas é fato que quando se envelhece constata-se que é preciso ter uma mente dinâmica, se reinventar. É a graça de envelhecer. Fazer as mesmas coisas, estar fechado nas suas convicções é algo muito obscuro. Nesse sentido, é preciso assumir riscos. E é o que se faz agora. Esperemos.

Derrubar o ineditismo em um festival de cinema é uma medida necessária, já que são muitos os filmes e poucos os festivais? Ou é um tiro no pé, já que reduz a repercussão em torno das mostras?
Para um festival da importância de Brasília, sempre achei que a questão do ineditismo é como aquelas caixas de emergência. Quebre-a somente em caso de crise. Não sei se era o caso, visto o tamanho e as inscrições e o fato de que alguns filmes preteridos entraram em importantes mostras nacionais e internacionais. Quando se tem um conceito de curadoria forte, a questão do ineditismo é transposta. Quando não se tem, vira um problemão.

Será o primeiro ano em que o Festival de Brasília vai exibir filmes em digital. O cinema brasileiro trata o digital como mero suporte ou como ferramenta criativa?
O cinema brasileiro de hoje é um universo vasto para reduzir entre isso ou aquilo. A gente vê o digital como panaceia, de forma fetichista. Há outros que enxergam possibilidades infinitas ou que tentam se adaptar diante de um futuro inexorável. Acho que o digital democratiza, abre portas, mas também vulgariza o ofício de ver e fazer cinema. É um equilíbrio delicado que precisa ser buscado.

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