Conversa com cineasta - Kiko Goifman
O novo filme de Kiko Goifman, Olhe pra mim de novo, dirigido com a mulher dele, Claudia Priscilla, não compete no 44; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Em agosto, concorreu em Gramado, e, na primeira quinzena de outubro, disputa prêmios no Festival do Rio, na categoria de longas documentários. Por isso, ele prefere não tomar partido nas discussões sobre as mudanças do festival daqui ; do qual recebeu cinco prêmios em 2008, pelo seu único longa de ficção, Filmefobia ;, mas vê com otimismo a queda do ineditismo e a entrada de filmes digitais na mostra competitiva. Na conversa com o Correio, Goifman também detalha a importância dos festivais (nacionais e internacionais) para a produção alternativa e discute o crescimento do circuito comercial.
No contexto atual do cinema brasileiro, em que filmes comerciais começam a encontrar um público cada vez maior, qual é a importância de um festival?
De vez em quando, aparece um filme que faz R$ 1 milhão. Mas também, quase semanalmente, filmes pretensamente comerciais vêm sendo lançados e não cumprem essa expectativa. O cinema comercial está no meio de um caminho. Por outro lado, para o filme mais experimental, radical, autoral ; esses rótulos são sempre ruins ;, que tem mais a ver com meu tipo de filme, os festivais são espaços fundamentais. Começo a ver um certo interesse por iniciativas de novas distribuidoras ou mesmo de pessoas que começam a achar que esse tipo de cinema, que a princípio não é pensado em mercado como fim útil, pode ter um público. É muito importante essas iniciativas estarem atreladas aos festivais, que são lugares de visibilidade, não só no Brasil, como no mundo. A história já nos mostrou, até os Estados Unidos, o quão importante é você se representar nas suas telas. E a gente vive um momento difícil. Você entra com um filme de 300 cópias num parque que não tem nem 3 mil salas, você está falando de 10%, às vezes 20%, 30% das salas. Querendo ou não, meu tipo de cinema é impactado, sim, pelo Capitão América.
Você acha que o nosso circuito de festivais pode ter o poder de pautar o comércio?
Pautar, não. Os grandes lançamentos acontecem até à revelia dos festivais. Em produções grandes, inclusive, existe a opção de não participar de um festival para não perder. Cabeça de júri, a gente nunca sabe; Muitas vezes, os lançamentos mais comerciais acabam tomando as bordas dos festivais: filme de abertura, de encerramento, para não correr o risco de uma derrota. E você não tem controle nenhum, porque é a organização do festival que define o júri, talvez um júri com olhar menos favorável ao cinema comercial. Eles vão ter que encarar coletiva de imprensa, às vezes uma coletiva agressiva. Como estratégia, eu até entendo.
E os festivais têm cumprido o papel de dar espaço para os independentes e autorais?
Acho que, como esforço, sim. É difícil também generalizar e falar de todos. Vejo um esforço de curadoria, pelo menos de tentar não fixar em certos estilos, porque um filme independente nem sempre vai ser bom. Percebo um certo desejo de ecletismo. O júri é formado por pessoas que têm uma visão diferenciada de cinema. E não acho que o festival tenha que ter uma vocação interna, que seja sempre a Meca do experimental. Essa questão varia de acordo com o que está sendo produzido. Um ano vai ser mais instigante, o outro menos. Esse imponderável tem que existir. É diferente quando você pensa nos festivais europeus. Se você tirar Cannes, Veneza e Berlim, a qualidade também varia em função de safras. São os festivais que os diretores querem muito.
O cinema comercial brasileiro, como você disse, talvez ainda esteja trilhando um caminho. E parte dele passa por gêneros, como a comédia e o policial. Acha que esses estilos podem ficar saturados?
Mesmo se você for pensar em termos de cinema de gênero e público, é engraçado como existem certos preconceitos. Por exemplo: terror é um gênero que não se filma no Brasil. E é um gênero que atrai um público jovem. Você tem uma produção interessante de terror no curta-metragem, que, pela característica dele, não é pensado em primeiro plano dentro do mercado comercial. Temos bons diretores, e em todas as linhas: do trash ao muito bem acabado. A princípio, todo cinema pode ter seu público. Vai depender do olhar, da forma de você divulgar o filme, de estar atento ao circuito, de investir dinheiro em publicidade. Um exemplo ótimo é a Lume Distribuidora, do Frederico (Machado), de São Luís (MA), que é de DVDs, mas está começando a colocar filmes em cartaz. E ele traz filmes ; é mais uma expressão difícil ; de arte, experimentais. Está conseguindo, e vê isso como negócio. Um dos elos aí é que existe espaço para distribuidoras que olhem para isso.
Sempre se falou de uma influência televisiva e publicitária no cinema comercial. Já temos condições de superar essas referências?
A engenharia do cinema é complexa. Se não fosse, todos os estúdios estariam ricos e não fariam fiascos. E, mesmo filmes que partem desse princípio, que pegam ator da tevê, usam modo de filmar muito próximo da estética da tevê, às vezes não dão certo. Não sei se consigo entender tanto da indústria para dizer que esse formato televisivo será superado. O publicitário também, acho um pouco mais difícil. (Fernando) Meirelles, hoje em dia: parece ingênuo colocá-lo como cineasta-publicitário. Não sou dessa turma que faz um cinema experimental e que considera a publicidade uma doença que não tem cura. Esses paradigmas também devem começar a mudar com uma certa mudança na tecnologia da área. Se você tem equipamento mais barato, como já temos hoje em dia, a possibilidade de projeção entrar em cartaz sem passar pelos 35mm, vem uma moçada aí para experimentar que, muitas vezes, terá sido formada em escola de cinema e que, eventualmente, pode, sim, produzir um filme que seja interessante. O nó que eu acho mais difícil é o de como chegar ao público sem ter a parceria concreta de uma grande emissora de televisão. Ela se autoalimenta. Diretores e atores do filme, como fazem parte da emissora, aparecem em todos os programas jornalísticos. No meu caso, sou chamado para programas de tevê pelo tema e não pelo meu filme. As pessoas querem que eu vá falar de fobia. Querem que eu vá falar de adoção. E não do Filmefobia (risos). Ou não do 33. A gente acaba tendo um espaço marginal que também cresce. Canal Brasil e canais a cabo que precisam de programação acabam chamando a gente. Mas é um resíduo. É um país muito televisivo.
Como?
Se você tem equipamento mais barato, como já temos hoje em dia a possibilidade de projeção sem passar pelos 35mm, vem uma moçada aí para experimentar que, muitas vezes, terá sido formada em escola de cinema e que, eventualmente, pode, sim, produzir um filme que seja interessante. O nó que eu acho mais difícil é o de como chegar ao público sem ter a parceria concreta de uma grande emissora de televisão. Ela se autoalimenta. Diretores e atores do filme, como fazem parte da emissora, aparecem nos programas jornalísticos. No meu caso, sou chamado para programas de tevê pelo tema e não pelo meu filme. As pessoas querem que eu vá falar de fobia. Querem que eu vá falar de adoção. E não do Filmefobia (risos). Ou não do 33. A gente acaba tendo um espaço marginal que também cresce. Canal Brasil e canais a cabo que precisam de programação acabam chamando a gente. Mas é um resíduo. É um país muito televisivo.
Tornou-se um lugar-comum afirmar que o sucesso de filmes comerciais estimula a produção de filmes pequenos. Na prática, isso acontece?
Acho que ainda não. Envolve inclusive mecanismos legais. Temos o artigo terceiro da Lei do Audiovisual, no qual uma empresa grande tem que investir o dinheiro que recebeu na bilheteria na produção de um filme brasileiro. Talvez pela ditadura recente, a gente detesta lei. A gente é liberal demais, nesse caso, acha que o mercado se autoregula, que é melhor assim. Mas qualquer cinema do mundo se constrói a partir de leis. Se se é liberal demais, você começa a achar que não se pode ter lei. Essas pessoas são contra a cota de tela para filmes nacionais. Mas isso não é uma invenção brasileira. Se você começa a ver de um ponto de vista industrial, existem números para isso: se você pegar R$ 1 milhão, colocar dentro de uma produção cinematográfica, ou R$ 1 milhão na indústria automobilística, esse R$ 1 milhão do cinema vai movimentar um número muito maior de pessoas. A gente tem uma visão, que acho muito antiga, de associar o sucesso do filme brasileiro ao Oscar, pura e simplesmente. Se você pegar festivais europeus importantes, sempre tem uma coisa brasileira. Agora, no IDFA (Festival de Documentários de Amsterdã; 16 a 27/11), vai ter retrospectiva do cinema brasileiro dos anos 2000 para cá e uma do Eduardo Coutinho. E é o maior festival de documentários do mundo, que gira mercado e também coprodução. Meus últimos longas sempre são coprodução com fora do Brasil, Alemanha e Holanda. E com a obrigação que eu gaste esse dinheiro aqui. Esse dinheiro é dado de uma forma descentralizada, porque você precisa remunerar equipe, pagar equipamento. É uma tecnologia ainda cara no Brasil, porque vem da utilização na indústria publicitária. A gente que não é da publicidade acaba pagando preço caro nas coisas, de técnicos a finalizadoras.
Muitos dos filmes que chegam ao circuito brasileiro de festivais geralmente estreiam em mostras nacionais e internacionais. Qual é a importância dessas mostras para os filmes com esse perfil?
Fundamental. Já aconteceu comigo, de estar fora, queria ver um filme, voltar e ele já ter saído de cartaz; entrou com cópia única e ficou duas semanas. Como você vai ver o filme? Acho mostras temáticas importantíssimas, de diretores, de cinema brasileiro e estrangeiro. Até porque, nas mostras, você tem uma visão diferente por causa dos outros títulos que estão em contato. Você começa a perceber que o filme tem relação com o filme ;x; do David Lynch, por exemplo. Os centros culturais devem se dedicar a isso. A mostra tem público, tem uma chegada legal com estudantes e também pessoas que não veriam esses filmes. Às vezes, o ingresso é barato ou gratuito. Meu primeiro longa, 33, está vivo. Volta e meia, está em alguma mostra, seja sobre cinema em primeira pessoa ou cinema noir. A mostra dá uma longevidade para os filmes.
Qual é a sua avaliação das mudanças aplicadas à atual edição do Festival de Brasília?
Já chegaram pessoas para mim, principalmente em Gramado, com um recorte muito crítico a essa nova postura do festival, querendo pegar aspas para a gente entrar destruindo. Não quero só estar numa coisa dessas. Dentro do festival, acho que há mudanças saudáveis. Sou favorável que não tenha obrigatoriedade de 35mm. A questão do ineditismo virou uma grande polêmica. Os jornalistas estão a fim de filmes inéditos. Para a gente, que é realizador, é muito bom: meu filme estava em Gramado e agora está no Rio, e tudo bem. O ineditismo está mais relacionado a uma questão de pauta de vocês da imprensa. Para o espectador e para o diretor, o ineditismo não é muito legal. O desejo pelo inédito é uma questão internacional. Você pensa muito em qual festival vai tentar antes, e depois passar em outro país. Sei que teve um aumento grande no valor do prêmio principal. Não sei se é bom ou ruim. Não é segredo para ninguém que a grana é importante para Paulínia, além do fato de ela ter virado um polo cinematográfico. Então, as pessoas querem participar porque filmaram lá ou porque querem filmar lá. Na hora que o seu filme está pronto, normalmente você está devendo. Prêmio é sempre bem-vindo (risos).
O mercado internacional se tornou uma meta cada vez mais frequente entre os filmes de baixo orçamento. Seria uma reação ao domínio do circuito brasileiro por fitas comerciais?
Não acho que seja uma reação. É uma estratégia normal. Alguns festivais de fora querem a premi;re mundial. Isso chama a imprensa. Você passa num festival grande. Se a sessão for bem cheia, bombada, vai ter debate, você pode estar associado a novos projetos, coproduções. É aquela fala do Nelson Rodrigues, o ;complexo de vira-lata;. Às vezes, o filme nem vai tão bem em determinado festival, mas o fato de passar lá também cria uma possibilidade. Os festivais daqui também ficam ávidos em pegar. Eu estou no meu quarto longa. Este foi o primeiro que lancei antes em festival brasileiro. Filmefobia e 33 foram em Locarno; Atos dos homens, em Berlim. Esse novo, tive desejo de passar logo no Brasil, porque queria a presença do personagem (Sílvio Lúcio, um transexual masculino, em Pacatuba, no Ceará). Nossa opção foi até mais sentimental.