Diversão e Arte

Tata Amaral retorna com drama sobre as sequelas da ditadura militar

postado em 29/09/2011 08:47

Cesar Troncoso e Denise Fraga em cena do longa-metragem, o mais pessoal da carreira da diretora

Quinze anos passaram desde que Tata Amaral exibiu um filme na competição do Festival de Brasília. Mas as memórias daquela noite de sábado são do tipo que não desaparecem facilmente. Primeiro porque Um céu de estrelas, de 1996, era o longa-metragem de estreia da paulistana. E segundo porque a sessão no Cine Brasília ; dividida com a comédia romântica Pequeno dicionário amoroso, de Sandra Werneck ; provocou reações intensas na plateia (para o bem e para o mal). ;Metade aplaudiu, metade vaiou;, conta a diretora. ;Mas lembro que alguém aí de Brasília veio me dizer que aquele era um ;filme do dia seguinte;, que vai batendo aos poucos. Foi uma sessão emocionante.;

Assimilado o choque, Brasília soube admirar o impacto de Um céu de estrelas ; um drama violento, confinado numa casa na Mooca, periferia de São Paulo ; e reservou a Tata o Candango de melhor direção, o segundo da carreira (o anterior veio pelo curta Viver a vida, de 1991). O roteiro, adaptado de um romance de Fernando Bonassi, também agradou ao júri e saiu premiado. Para quem acompanhou aquela edição do festival, o filme novo da cineasta deve instigar algumas comparações inevitáveis: também inspirado em um livro de Bonassi (Prova contrária), Hoje é encenado entre as paredes de um apartamento. E os personagens principais são uma mulher e um homem: Vera e Luiz.

Outros caminhos

As semelhanças entre os filmes não param aí ; uma das cenas, em que Vera oferece um café a Luiz, acena diretamente ao longa de 1996. São as divergências entre os projetos, no entanto, que descortinam uma experiência incomum para Tata, 51 anos. ;Durante as filmagens, me senti caminhando para um outro lugar. Esse filme é completamente diferente de tudo o que fiz;, resume. Se Um céu de estrelas usava uma lente trêmula para narrar a relação trágica entre uma cabeleireira e um metalúrgico, Hoje cria fissuras no tom realista que transbordava naquele e nos outros longas da cineasta (Através da janela, de 2000, e Antônia, de 2006). ;O filme vai esgarçando os limites do realismo, só que de uma forma sutil, que acontece devagarinho;, explica.

Tata Amaral:

Cautelosa, Tata seleciona as palavras que não revelam as surpresas de Hoje, que terá a primeira exibição mundial logo mais à noite, na mostra competitiva do festival. Vera, interpretada por Denise Fraga, é uma ex-militante política. Quando o governo reconhece a morte do marido, vítima da repressão militar durante a ditadura, ela recebe indenização e compra um apartamento. Mas, no dia da mudança, duas décadas depois de ter perdido o companheiro, recebe a visita inesperada de um homem (Cesar Troncoso, de O banheiro do papa), que a obriga a rever uma trajetória inteira de luta. ;É um filme que se propõe a discutir a verdade. É sobre a importância de enfrentar os fatos do passado;, sintetiza Tata.

A simples decisão de refletir sobre um grande tema ; as sequelas do regime militar ; é uma novidade na trajetória da diretora. ;Fui meio abalroada por esse livro. A história me arrebatou. Apesar de não ter vivido nada disso, tornei a trama muito pessoal. É o filme mais pessoal da minha vida;, observa. O curta-metragem O rei do Carimã (um projeto para o DocTV, dirigido em 2009) já indicava o desejo da cineasta de documentar e revirar fatos íntimos. Em primeira pessoa, ela investigava o passado do pai, acusado injustamente de estelionato. ;É curativo ir ao passado;, afirma. As revelações de Hoje apontam para a vida de Tata com uma propriedade que, segundo ela, não existia nos longas anteriores.

Cumplicidade

;É um filme intenso. É muito amoroso, mas também muito dolorido. Ele mostra uma mulher às voltas com um passado que ela quis esquecer durante parte da vida;, continua. A cumplicidade com Denise e Cesar permitiram uma filmagem tranquila, sem turbulências ; processo que durou três semanas e meia, em um apartamento na Avenida São Luiz, na capital paulista. ;Todo mundo foi muito solidário, estavam todos focados no filme. Em nenhum momento deu vontade de jogar ninguém do 16; andar;, brinca.

Com a equipe de produção, nem foi preciso criar intimidade. Não é de hoje que o roteirista Jean-Claude Bernardet, o diretor de fotografia Jacob Solitrenick e a montadora Idê Lacerda colaboram com a cineasta. ;É a mesma equipe, por isso acabamos voltando a alguns elementos de Um céu de estrelas;, comenta. Apesar da familiaridade, Tata abriu um novo caminho criativo ao usar projeções do grupo paulistano BijaRi, que cria camadas visuais nas paredes do apartamento da protagonista. ;O filme lida muito com a memória. E a memória não tem linearidade. As projeções mostram o que está no coração da Vera;, descreve Tata. São tensões como essas ; entre passado e presente, ilusão e realidade, um cinema familiar e outro desconhecido ; que fazem de Hoje um novo capítulo para a cineasta. ;O filme é uma aventura, fico emocionada de falar;, revela. Um dia incomum, portanto.

Um ato político

Um céu de estrelas passou no Festival de Roterdã. Antônia, em Toronto. Tata Amaral escolheu Brasília para lançar Hoje por dois motivos: pensava em valorizar uma mostra cuja premiação, agora mais robusta, permite que se invista na distribuição do filmes nos cinemas (em caso de vitória, o prêmio é de R$ 250 mil); e também em aproximar a sessão do poder político brasileiro. ;O tema do filme tem muito a ver com a Comissão da Verdade;, ela aponta. O projeto de analisar casos de violação de direitos humanos no período da ditadura militar foi aprovado no Congresso na noite de quinta-feira (21), e ainda precisa ser analisado pelo Senado Federal. ;A comissão é muito importante para o Brasil. É necessário trazer essa discussão para os dias de hoje. Por que a gente quer esquecer esse passado? Por que, ao contrário da Argentina e do Chile, a gente não identifica nem pune os torturadores?;, questiona.

44; FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO

Até 3 de outubro. Mostra competitiva de curtas e longas às 20h30,
no Cine Brasília (106/107 Sul), com ingressos a R$ 6 e R$ 3 (meia). Exibição simultânea no Teatro de Sobradinho, no Cinemark Taguatinga Shopping e no Teatro Newton Rossi (Ceilândia), com ingressos a R$ 4 e R$ 2 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos.

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