Não se sabe como este roteiro começou: se foi o Festival de Brasília que adotou Cláudio Assis ou se o diretor pernambucano, num rompante, se instalou na história da mostra de cinema. Inevitável, no entanto, notar uma identificação profunda entre o cineasta e o evento.
Premiado duas vezes com o Candango de melhor longa (por Amarelo manga, em 2002, e Baixio das bestas, em 2006), o cineasta se tornou um símbolo para o espírito de inquietação, às vezes radical, que o festival reafirma nas edições mais recentes. Em 2011, preferiu se aventurar em Paulínia ; e saiu de lá com mais um prêmio de melhor filme, por A febre do rato.
Em entrevista ao Correio, o diretor de 51 anos fala sobre as barreiras enfrentadas por produções de baixo orçamento, os filmes brasileiros com sabor televisivo e a importância do circuito de festivais. Contrário à exigência de ineditismo para longas em competição, ele cobra uma rede de exibição mais ampla para as produções nacionais.
;Temos que mudar o que o povo vê;, afirma. Para chegar aonde o espectador está, Assis admite que os filmes comerciais têm o papel de formar plateias. ;Mesmo não concordando com eles, entendo que cumprem um papel importante. Se 5% ou 10% desses espectadores quiserem ver filmes pequenos, serão bem-vindos.;
Muitos filmes brasileiros de baixo orçamento não alcançam o circuito exibidor. Isso o incomoda?
Incomoda todo mundo. Todo mundo que faz filme quer que ele seja visto. A questão é que não existe uma política clara em relação a distribuição de filmes no país. Não existe uma discussão séria. Esses grandes filmes que têm dinheiro, que podem ser lançados de uma forma grande, com merchandising de novela, nas páginas de jornal, ocupam o espaço exibidor quase inteiro. A grande maioria não consegue nem distribuidor. É preciso existir uma política nesse sentido para que outros filmes sejam lançados no embalo dessas grandes bilheterias, para que os ingressos fiquem mais baratos e mais pessoas possam ter acesso ao cinema.
Conversa com cineasta // Cláudio Assis
Nesse contexto, qual é o papel do circuito de festivais?
São poucos os filmes que se destacam nos festivais e alcançam alguma coisa. Existem os que passam despercebidos nos festivais e não chegam ao circuito. E existe os que nem entram em festivais. É uma loucura. Não estou criticando os festivais, mas não pode um filme viver só de festival. Isso não é legal. A gente tem de ter realmente um circuito para esses filmes. Não existe política com as televisões. Não existe nada. Se o filme tiver sorte, entra. Se não tiver sorte, não entra. Ainda bem que existem festivais. O festival é uma válvula de escape. Isso é que é deprimente. Você faz um filme, sofre para produzir. São feitos 100 filmes por ano no país e a sociedade, no geral, não tem acesso a eles. É um sofrimento fazer um filme. Também tem um sofrimento tanto ou maior para poder lançá-lo. Isso é absurdo.
Os filmes que estreiam em festivais internacionais ofuscam as mostras brasileiras?
É ridículo cobrar ineditismo, tanto no exterior quanto dentro do país. O público de Gramado não é o mesmo de Brasília. Não é o mesmo povo que está vendo no mesmo lugar. Isso seria penalizar o povo, impedir que eles vejam os filmes brasileiros. Isso é ridículo. Ninguém vai sair do Rio de Janeiro para ver um filme em Brasília. Não se pode penalizar o povo que está doido para ver o filme. Se ganhou prêmio no exterior, é melhor ainda. Aí é que tem de passar mesmo. O dinheiro é o mesmo, o filme é o mesmo. O filme tem de circular. Deixa o povo ver. Ou então faça sessão hors concours numa mostra bacana. Não penalize o público.
O Projeto de Lei 116 (que define novas regras para a tevê por assinatura, com cotas para produções brasileiras) vai aumentar o número de filmes com estética televisiva?
Quem repete essa estética televisiva faz porque quer. É gente que só pensa em dinheiro, não pensa no conteúdos artístico e cultural. Pensam em encher o tubo de dinheiro dos patrões e deles. Não tem compromisso com o povo. O compromisso é de se dar bem. Com ou sem a PL 116, eles vão fazer do mesmo jeito. Talvez existam uns babacas que tentem fazer filme assim. Essa lei, pelo menos, abre canal para que outros filmes bons passem na tevê. Essa lei é bem-vinda não só na tevê por assinatura, mas no canal aberto também. O cinema tem de ter acesso à tevê, assim como acontece em vários países da Europa. A lei serve para estimular a qualidade da tevê. Do jeito que está, eles mostram horror ao cinema. Quem quer atingir a tevê, hoje faz filme parecido com novela.
Os seus filmes vão passar na tevê aberta algum dia? E se sugerissem cortes?
Acho que sim. Meus filmes têm tudo a ver com o povo. Um dia eu chego lá. Mas, sem cortar nada. Eu não corto nada. Ou passa ou não passa. Ou tem coragem ou não tem. Tá doido? Eu não faço filme para produtor. Meu produtor sou eu.
Os coletivos de cinema que estão se formando no país aconteceram como estratégia de sobrevivência? Você começou num coletivo, não foi?
Acho que os tempos são assim mesmo. Tem muito mais pessoas trabalhando com cinema. Multiplicou a quantidade de realizadores. É cinema feito por colegas, turmas. A produção fica mais barata assim. São pessoas que têm os equipamentos. Em Pernambuco se está produzindo assim direto. Eu nunca fui de coletivo. A minha geração trabalhava em conjunto. Mas, cada um fazia seu filme. A gente se ajudava, trocava de funções técnicas na (produtora) Parabólica. Mas um não chegava a influenciar na arte do outro. Hoje isso se repete. A democracia da tecnologia audiovisual permite que se trabalhe em grupo.
Você tem acompanhado o cinema da nova geração como A alegria ou Trabalharcansa? Tem gostado dos filmes?
Sim. São bacanas, cada vez mais eles têm exercitado o olhar.
Você tem exercido a cinefilia tradicional ou a já aderiu à cinefilia de internet?
Eu não baixo filmes. Mal respondo e-mails. Só vejo a caixa (de mensagens) de cinco em cinco dias. Quase não respondo. Eu não tenho preconceito com quem tem assistido filmes pela internet e estão produzindo. Agora, para fazer os meus filmes tenho a ideia e fico muito tempo com ela. Adoraria fazer filme por celular também. Mas se eu comprar um que filma, acabo perdendo.