Diversão e Arte

Diretor diz que não á para falar de indústria cinematográfica no Brasil

Helvécio Ratton defende a taxação de produções estrangeiras que entrarem no mercado brasileiro, para amenizar a concorrência com filmes nacionais

postado em 04/10/2011 08:36

Helvécio Ratton defende a taxação de produções estrangeiras que entrarem no mercado brasileiro, para amenizar a concorrência com filmes nacionais

O diretor mineiro Helvécio Ratton conseguiu o que poucos cineastas brasileiros conseguem: a filmografia do diretor ; que inclui O menino maluquinho, Casa de bonecas, Uma onda no ar, Amor & Cia. (melhor longa-metragem em 35mm no 31; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro) e Batismo de sangue (melhor direção no 39; Festival de Brasília) ; transitou tanto pelo circuito de festivais quanto pelo restrito circuito comercial.

O realizador de 63 anos acaba de finalizar o documentário O mineiro e o queijo, que estreou em Belo Horizonte em 23 de setembro.

Apesar de o título repetir a piada comum em relação à obsessão gastronômica dos mineiros, o papo é sério. Proibições sanitárias têm impedido a circulação do verdadeiro queijo de Minas, preparado com leite cru, fora de Minas Gerais. Segundo Ratton, a medida ocorreu por causa de lobby dos grandes laticínios da região e tem colocado em risco a exportação de um produto tradicional preparado há mais de 300 anos.

A questão serve como comparativo para uma ausência de medidas protecionistas relativas ao desenvolvimento da indústria cinematográfica brasileira. Na entrevista a seguir, o diretor aponta esse fator como um dos que emperram o desenvolvimento do cinema nacional.

Conversa com cineasta // Helvécio Ratton

O cinema brasileiro se consolidou como indústria ou ainda apresentamos apenas um circuito exibidor voltado para o cinema comercial?
Não dá para falar em indústria no Brasil. O que temos é um circuito ainda dominado pelos blockbusters. Ele é ligado, pelo DNA, aos filmes hollywoodianos. Os títulos brasileiros que conseguem entrar nesse circuito, em geral, são ligados à Globo Filmes. São aqueles de apelo popular, com forte investimento de mídia. Isso é muito pouco e contempla uma faixa estreita do cinema brasileiro. Esse embrião de indústria cinematográfica brasileira está ocupando as frestas que sobram do mercado.

E o que caracteriza uma indústria cinematográfica?

Uma indústria implica volume de produção com continuidade, mas tem de se falar também em ocupação de mercado. Para falar em indústria, é preciso pensar em um escoamento de maior quantidade de produtos e não apenas para uma parcela da produção. No Brasil, a maior parte dos produtos não sai das prateleiras. O grosso da produção tem muita dificuldade de circular. O problema é que a cinematografia de um país não se faz só de filmes comerciais. É preciso atentar para o conjunto do cinema brasileiro que não é atendido no circuito exibidor. Esse problema não é só nosso, acontece no mundo inteiro.

Por que ainda não conseguimos montar essa indústria?

Acho que não existe uma indústria de cinema no Brasil, entre outros motivos, porque não existe qualquer proteção governamental ante o produto estrangeiro. No Brasil, durante os anos 1940 e 1950, os Estados Unidos usaram de força comercial para garantir a entrada dos filmes tratados como produtos no nosso mercado. Além da força econômica, o cinema norte-americano tem uma força ideológica muito grande. A enorme quantidade de filmes deles com ocupação nas salas de exibição cria a sensação de que só existe esse tipo de cinema. A impressão é de que só aqueles filmes merecem ser vistos. Isso cria um dano sério à produção local. Ocorre muito fortemente na América do Sul.

E qual seria a saída?

Taxar produções que entram ocupando 400 ou 500 salas é importantíssimo. Já pensou se os carros fabricados no exterior entrassem no Brasil sem qualquer taxação, com total possibilidade de ocupação de mercado? Isso quebraria a indústria automobilística nacional. A Argentina tomou uma medida muito corajosa ao taxar os filmes estrangeiros que entram no mercado deles. Quanto mais cópias forem lançadas no mercado, mais eles pagarão para o desenvolvimento da indústria argentina. Foi uma medida inteligentíssima. Já deveria ter sido tomada no Brasil há muito tempo. Levantou-se essa possibilidade, mas as distribuidoras de filmes bateram o pé e todo mundo ficou assustado. Essa é a verdade.

Um festival de cinema em que normalmente participam filmes que jamais chegarão a ser exibidos faz a diferença diante desse contexto?
Os festivais sempre fizeram e ainda fazem sentido. É verdade que grande parte dos filmes que participam de festivais não vão chegar ao mercado. Os festivais são muito importantes como vitrine da produção. Mas a vida do filme não pode se limitar somente ao período de festivais. Para ele chegar até o público é preciso que entre em cartaz com algum tempo de permanência. Agora, os festivais cumprem a função importante de promover o debate não só em torno das questões de mercado, mas também das questões estéticas e de produção. O Festival de Brasília, por exemplo, sempre cumpriu uma função importante nesse sentido.

Você conseguiu realizar filmes independentes e também títulos que alcançaram o circuito exibidor amplo. Qual é a fórmula?
É difícil dizer qual é o melhor caminho. Cada filme tem um curso diferente. Independentemente do caminho que essa produção seguir, é preciso chegar bem ao circuito de festivais para conseguir aparecer. A possibilidade de um filme de orçamento pequeno conseguir visibilidade de alguma forma ajuda a abrir as portas no circuito comercial mesmo sendo um circuito fechado, basicamente ocupado por produções norte-americanas.

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