Há um prazer especial em descobrir uma obra musical da qual pouco se sabe. Bach, Beethoven e Mozart já foram gravados à exaustão e qualquer instrumentista contemporâneo terá dificuldades em não se deixar influenciar por uma interpretação. No entanto, se a partitura nunca chegou a ser gravada ou foi tocada pouquíssimas vezes, abre-se um vasto mundo de possibilidades. É um pouco assim que o violoncelista paraibano Raiff Dantas se sente diante do Concerto para violoncelo e orquestra e do Concertino para violoncelo, ambos de José Guerra Vicente. As duas peças integram o repertório da apresentação de hoje da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro (OSTNCS) e terão solo de Raiff e regência de Helder Trefzger, maestro titular da Filarmônica do Espírito Santo.
O concerto de hoje tem o status de primeira vez para o maestro e para o solista. As duas peças de Guerra Vicente estrearam em 1969 e 1974 graças ao filho do compositor, Antonio, para quem estão dedicadas. Ex-integrante da orquestra brasiliense, ele editou as obras e acatou o pedido de Dantas para que o Concerto e o Concertino integrassem a programação de hoje. Trefzger também não conhecia as partituras.
Apenas durante o ensaio de ontem os dois músicos constataram como soam as peças em sua totalidade, quando se junta o solo e a orquestra. ;O primeiro contato com a partitura foi uma sensação de olhar e dizer ;oi;;, brinca Dantas. ;É como se voltasse no tempo, no século 18, quando não havia gravações. Você descobrir sozinho a obra é mais difícil, mas é mais prazeroso em vários aspectos.; Durante dois meses, o violoncelista mergulhou exclusivamente nas notas dos dois concertos. Referências, só conseguiu do Concertino, gravado por Antonio para o selo GLB, que ele fundou com a mulher, a violinista Ludmilla Vinecka.
Harmonia moderna
Para Trefzger, a beleza das duas peças está na orquestração refinada. ;Guerra Vicente utilizou harmonia moderna, combinação de instrumentos, linguagem muito viva e criativa. É um compositor importante da segunda metade do século 20 que precisa ser descoberto;, diz o maestro. Dantas está acostumado a se deparar com partituras cujo conteúdo nunca chegou ao estúdio de gravação. É comum na música brasileira, tocada menos do que deveria e ainda pouco explorada.
;O intérprete de música brasileira está sempre descobrindo coisas dessa forma porque o repertório é pouco conhecido e pouco tocado. Tem que pegar e desbravar mesmo, coisa que não dá para fazer com Mozart ou Beethoven, que têm dezenas de gravações.
É impossível não ser influenciado nesse caso. Virgem, só quando pega uma música assim, como a do Guerra. E você pode até ficar como referência.;
O repertório de hoje tem ainda a Sinfonia n; 2, de Beethoven, e a Suíte Karelia, do finlandês Jean Sibelius. A primeira é uma tradição do repertório clássico, composta um pouco antes de Beethoven constatar a própria surdez. Já Karelia é uma homenagem à Finlândia e traz os traços do nacionalismo tão apreciado por Sibelius. ;A região de Karelia é o berço da civilização finlandesa e a peça é uma homenagem, é muito bem orquestrada, coisa que Sibelius gostava muito;, explica Trefzeger.
Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro
Regente convidado: Helder Trefzger. Solista: Raiff Dantas. Hoje, às 20h, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional Claudio Santoro.