Mesmo que não tenha sido premeditado, o júri oficial tomou uma posição ao premiar o longa Hoje, de Tata Amaral, com o Candango de melhor filme. Em vez de consagrar um título que já tem distribuição garantida no circuito comercial (caso de Meu país e Trabalhar cansa), apostou numa produção que ainda depende da visibilidade garantida pelo evento (e da premiação em dinheiro, no valor de R$ 250 mil) para se integrar ao mercado. Ao eleger um dos concorrentes inéditos na disputa, os jurados prepararam um desfecho tradicional, ;à moda antiga;, para uma edição de novidades ; que, entre outras mudanças estruturais, flexibilizou a exigência de ineditismo na seleção dos longas.
Com a participação dos cineastas Vladimir Carvalho, Toni Venturi e Ana Luiza Azevedo, o grupo que avaliou os integrantes da competição principal concentrou prêmios de longa-metragem em dois filmes: Hoje, que acumulou cinco troféus oficiais (e o prêmio da crítica), e Meu país, com quatro Candangos (além da preferência popular). Trabalhar cansa, As hiper mulheres e O homem que não dormia saíram com uma menção cada ; enquanto o documentário Vou rifar meu coração não foi lembrado na noite de premiação. ;Agora, com certeza, vamos lançar o filme no primeiro semestre do ano que vem. Graças ao prêmio;, comentou Tata Amaral, que venceu o Candango de direção em 1996 por Um céu de estrelas.
Numa cerimônia mais enxuta que o habitual, e sem o tumulto ou as gafes de 2010 (quando a lista dos vencedores vazou em sites de notícia antes da divulgação oficial, provocando revolta nos convidados), o Festival de Brasília organizou um encerramento com um quinhão generoso de celebridades (Rodrigo Santoro e Denise Fraga saíram vitoriosos), e escolhas que, em grande parte, não bateram de frente com o gosto da maioria dos espectadores. O paulistano Meu país, que estreia sexta-feira no circuito, com 60 cópias, se tornou o ponto principal de convergência entre jurados e plateia. ;Se a gente quer sobreviver, precisa do público. Estar aqui recebendo esse prêmio do júri popular é uma saudação que não tem preço;, comentou o diretor do filme, André Ristum, após a premiação.
Estreante em longas de ficção, o cineasta surpreendeu ao superar autores mais conhecidos (como Edgard Navarro e a própria Tata Amaral) na briga pelo Candango de direção. Há seis anos, Ristum exibiu na cidade o curta De Glauber para Jirges. ;É a coisa mais incrível que poderia ter acontecido comigo aqui, ser laureado como o melhor no festival mais importante do Brasil. Agora, estou num time espetacular, que só tem craque. A minha raiz está fincada aqui;, comemorou o realizador, que voltou ao país há 15 anos, depois de um longo período morando na Europa. No drama que dirige, o personagem principal é um executivo brasileiro que, bem-sucedido na Itália, se vê obrigado a viajar ao Brasil para resolver uma questão de família.
Um dos atrativos do melodrama é o elenco, formado por famosos com passagem pela tevê. Cauã Reymond e Débora Falabella foram ignorados pelo júri, mas Rodrigo Santoro ; que estava em Brasília desde sábado, quando o longa foi exibido ; representou a equipe, reprisando o prêmio que ganhou em 2000 por Bicho de sete cabeças. Depois de beijar o Candango, ele dedicou o prêmio ao pai e comentou que estava tão emocionado quanto no dia da projeção. ;Receber esse prêmio foi uma espécie de volta às origens, de reconhecimento de um trabalho que fiz há 11 anos (Bicho). Quando subi ao palco, eu estava realmente emocionado. Não estava representando. É uma emoção muito sincera, particular e simbólica;, comentou ao Correio.
Tensão
Ao receber o Candango de melhor atriz, Denise Fraga demonstrou ainda mais nervosismo que Santoro, e alongou o discurso para comentar o processo de criação de Hoje, drama que revira lembranças da ditadura militar. ;É claro que existe um certo preconceito com atores de comédia. É possível que não tivessem me premiado em um papel cômico. Tento sempre derrubar essas barreiras entre o cômico e o dramático. O humor pode ser transgressor. O (diretor) Antunes Filho sempre diz que o ator de comédia é melhor que o dramático porque tem timing;, afirmou, depois da festa.
Converter Candangos em boa publicidade é, a partir de agora, o desafio dos filmes vencedores. No caso de Hoje, o dinheiro será investido para levar o longa às telas. Mas o valor simbólico da premiação não é desprezado por cineastas como Vladimir Carvalho, que venceu o Saruê (entregue pela equipe de Cultura do Correio) pelas cenas de arquivo de Rock Brasília ; Era de ouro, que estreia em 21 de outubro. ;Ganhar o prêmio foi surpreendente, e ele chegou na hora certa. Ele vai ajudar na campanha de divulgação. Vamos juntar com as informações sobre o prêmio de Paulínia (onde venceu o troféu de melhor documentário) para valorizar o lançamento;, afirmou.
DO CINEMA PARA A TEVÊ
Os filmes vencedores dos Candangos de melhor longa, curta-metragem e animação segundo o júri popular serão exibidos na TV Brasil e receberão prêmios nos valores de R$ 50 mil (Meu país), R$ 10 mil (o curta A fábrica) e R$ 10 mil (Rái sossaith). O canal transmitiu a cerimônia de encerramento ao vivo.
O grande encontro
; Vencedor do único prêmio do longa
O homem que não dormia, de Edgard Navarro, Ramon Vane (foto) subiu ao palco sapateando e fez um discurso longo e icônico ao receber o Candango de melhor ator coadjuvante. ;Acredito que o ser humano é um pouco de bondade. É um encontro entre o espermatozoide e o óvulo que faz tudo acontecer;, discursou. ;Quero dedicar esse prêmio ao Edgard;, completou.
A carta da atriz
; A atriz Denise Fraga (foto) preparou uma carta para ser lida no palco caso ganhasse o prêmio de melhor atriz. Quando tirou as duas páginas do bolso, foi logo avisando à plateia, cansada de ouvir discursos longos no festival: ;Calma, gente. A carta tem duas páginas porque a letra é grande. Eu já tenho mais de 40 anos;, brincou. Ela agradeceu nominalmente a quase todos os membros da equipe, com atenção especial ao convite da diretora Tata Amaral para atuar num papel dramático.
A festa da tribo
; A equipe do longa As hiper mulheres (foto) celebrou com entusiasmo a conquista do prêmio técnico de som ; justamente o quesito mais temido, já que o longa é balizado pelo registro musical de um ritual no Alto Xingu. No Cine Brasília, depois de marcante momento de dança no palco e de discursos com menções às famílias, Takumã Kuikuro, um dos diretores da fita, emendou: ;Foi muito importante ganhar esse prêmio. A gente vai poder mostrar o trabalho que tem feito com o projeto Vídeo nas Aldeias. Vamos ter mais pessoas conhecendo o filme;.
;Desconhecida; aos 40
; A melhor atriz coadjuvante da edição, Gilda Nomacce (foto), dona do troféu solitário de Trabalhar cansa, lembrou um pouco a sua trajetória. ;Sou atriz desde os 12 anos e queria dedicar esse prêmio à equipe. Comecei a fazer cinema com essas pessoas. Não é fácil chegar aqui sendo uma atriz desconhecida, mesmo tendo 40 anos e 28 de carreira;, observou.
Palco brasiliense
; O diretor André Miranda (foto) saiu duplamente premiado do Cine Brasília. O curta-metragem dirigido por ele, Deus, exibido na Mostra Brasília, levou o Troféu Câmara Legislativa. Depois, Miranda subiu ao palco para receber o Candango de melhor fotografia pelo curta Imperfeito, de Gui Campos. Ao agradecer o troféu, ele voltou a pedir atenção para a Mostra Brasília. ;Meu filme foi visto por pouquíssimas pessoas porque passou num lugar isolado (o Museu Nacional). Hoje, quando a minha equipe sobe ao palco do Cine Brasília, estamos de volta ao nosso palco;, ressaltou.