Diversão e Arte

Giada Colagrande e Willem Dafoe falam sobre seus novos filmes

Mario Abbade - Especial para o Correio
postado em 15/10/2011 12:10
Rio de Janeiro ; Em visita ao Brasil para participar do Festival do Rio, Willem Dafoe entra na polêmica que marcou o Festival de Cannes em torno de Lars von Trier, com quem fez Anticristo, e chama a imprensa de leviana. Ao lado de Dafoe, sua mulher, a diretora e atriz italiana Giada Colagrande, também falou ao Correio sobre seu trabalho como diretora do longa Uma mulher, e declara seu amor pela obra de Glauber Rocha e pela música brasileira. Além de Uma mulher, Willem Dafoe está no longa O caçador, do australiano Daniel Nettheim, e em 4:44 Last day on Earth, de Abel Ferrara, outro convidado do festival. Na entrevista, Dafoe conta ainda que as influências de seu trabalho nas telas vêm do teatro e que nunca idealizou as estrelas de cinema.

Você é a estrela de três filmes bem diferentes que fazem parte do festival. Como descreveria as três produções?
Dafoe ; Não existe uma comparação. A única vantagem é refletir sobre como foi a experiência de cada um desses projetos para não cometer os mesmos erros.

Você sempre trabalhou com cineastas que têm uma forte presença autoral e com estilos diferentes.
Dafoe ; Sim, mas todos têm uma característica em comum: fazem seus filmes por prazer. Eles querem que os filmes sejam assistidos, que as pessoas gostem, mas esse não é o objetivo principal. Estão à procura de algo maior, de uma descoberta, de criar algo. E funciono bem dessa forma. Talvez é por esse motivo que eu tenha recebido esses convites. Também gosto desse objetivo.

Você já trabalhou com Abel Ferrara em três projetos: New rose hotel, Go go tales e 4:44. De qual desses filmes você mais gosta?
Dafoe ; Eu adoro Go go tales. Talvez porque tenha sido visto por poucas pessoas e por ser uma comédia bem estranha. É um filme extremamente pessoal, em que eu faço um protagonista sonhador com um vício. É um bom homem, mas fraco em sua essência. São muito interessantes as características do personagem.

Você filmou com Lars von Trier o Anticristo, como foi essa experiência? Acredita que isso possa existir e tem algo dizer sobre as declarações dele no último Festival de Cannes?

Dafoe ; A existência do Anticristo? Eu não sei o que é isso (risos). Mas o filme foi uma excelente experiência e é um ótimo longa. Quem acredita nas supostas declarações nazistas do Lars deveria assistir ao vídeo sem cortes no YouTube, pois esclarece tudo. A maneira como foi divulgada por certos setores da imprensa foi leviana.
Giada ; Lars tem um humor peculiar e às vezes exagera na piada. Mas não aconteceu da maneira que foi divulgado. E Lars é judeu.

Giada, em seus dois primeiros filmes, você, além de dirigir, interpretou a protagonista. Por que desta vez optou por só dirigir?
Giada ; Eu não podia interpretar a protagonista, pois tinha que ser uma americana, loura, estilo Hitchcock (risos). E também achei melhor me dedicar à direção. Vou continuar em ambas as vertentes: interpretar e dirigir. Mas este foi um projeto em que achei melhor me dedicar exclusivamente à direção.

Como é dirigir o Dafoe?Ele é um ator rebelde?
Dafoe ; Se eu não gosto de algo, simplesmente digo que não faço (risos).
Giada ; Ele é sensacional, muito colaborativo. Não só comigo, mas também com outros diretores, pois já o vi trabalhando com outros profissionais. Este é o nosso segundo filme, e a experiência foi ainda melhor.

Você permite que os atores mudem as falas durante as filmagens, que improvisem?
Giada ; Não gosto que mudem o roteiro. Não gosto que improvisem. Mas, ao mesmo tempo, adoro colaboração, não só dos atores, mas também de toda a equipe. Só gosto que façam isso antes das filmagens. Sugestões são mais que bem-vindas antes de começarmos as filmagens. Mas, a partir do momento em que iniciamos, mudanças podem ser prejudiciais. Só tivemos três semanas para as filmagens, não conseguiríamos finalizar se mudássemos as coisas.
Dafoe ; Alguns diretores não gostam de improvisação e outros gostam. Não tenho problemas com isso. No filme de Abel Ferrara sempre tem muita improvisação, apesar de ele acreditar que exista um roteiro fechado (risos). Com Abel temos um caos controlado, uma pressão que não é maléfica, pelo contrário, é gratificante. Com Giada, ela tem uma visão clara do que quer e antes de começar, ela faz os ajustes necessários. Pode parecer uma experiência maçante, mas não é. Temos liberdade, apesar dos limites. E é desafiador, pois a maneira como você irá abordar o personagem é o trabalho do ator. A disciplina que envolve todos os seus impulsos para colocá-los juntos em cena é também desafiadora.


Apesar dos prêmios e de ter sido incorporado à cultura pop, Coração selvagem, do cineasta David Lynch, tem um personagem que rouba o filme toda vez que aparece: Bobby Peru. Como foi interpretá-lo? É uma criação do David ou sua?

Dafoe ; Esse personagem ajuda a exemplificar o que te respondi anteriormente. David Lynch é um excelente diretor. Mas não houve uma preparação. Ele me deu o figurino, o dente falso, a maneira de falar e interpretar, e o roteiro era maravilhoso. Tudo estava no lugar certo, no momento certo. Quando isso acontece e te oferecem as ferramentas necessárias, as coisas encontram sua própria lógica. Eu recebi a ;máscara; e pude fantasiar do meu jeito. Foi uma experiência muito recompensadora.

Em sua carreira, aconteceram diversos momentos como esse, como em Santos e justiceiros, em que você não é o protagonista, mas rouba a cena mais uma vez interpretando um hilário agente do FBI homossexual.

Dafoe ; Aconteceram as mesmas características do filme de David: tudo no lugar certo, para que eu pudesse fantasiar e dar uma abordagem própria, seguindo o roteiro. Consegui desenvolver aquela arrogância e efeminação durante as filmagens. Quando a pessoa compreende que não está fazendo só para si mesma, essa mágica surge. Às vezes, não funciona, mas, quando esses impulsos acontecem, não são racionais, não há como ter um controle. É uma imersão conjunta de todos, inclusive do público.

Giada, seu filme reúne uma mistura de luzes interessante. As sequências feitas na Itália têm cores vivas, já as de Nova York, uma aura noir.
Giada ; O estilo de que mais gosto é o cinema noir, principalmente dos filmes americanos dos anos 1940. Em todos esses filmes tem sempre um sombreado do contraste da luz com o escuro. Eu parti desse conceito com meu diretor de fotografia, que também é um fã do noir. Eu precisava desse mistério e suspense para a minha história. E Nova York tem essa aura, um mistério sedutor. E a Itália é o contraste. É como se o personagem saísse do escuro para o claro, com um sombreado entre os dois. Foram escolhas emocionais baseadas em uma lógica. Isso também está presente nos figurinos.

Dafoe, em um primeiro momento, O caçador parece um filme com temas ecológicos, mas fala sobre o relacionamento do homem com a natureza, de como somos insignificantes. Você acha que cenas de ação e suspense ajudam a atingir mais público?
Dafoe ; Essas cenas não estão lá por esse motivo, mas acredito que ajudem. Elas fazem parte da história e permitem que a trama avance. E, em minha opinião, o uso da ação nos filmes serve para contar uma história. É tudo integrado.

Giada, e os seus novos trabalhos?
Giada ; Eu tenho dois projetos e quero filmar ambos na América do Sul. Um deles precisa ser filmado em Buenos Aires, pois está relacionado ao universo do tango que acontece nos anos 1940. E o outro foi escrito por Barry Gifford, um dos criadores do personagem Bobby Peru. Quero filmar esse talvez na Colômbia, ou, quem sabe, em Ouro Preto, no Brasil.

Alguma observação sobre o cinema brasileiro?
Giada ; Eu adoro Glauber Rocha. E gostaria de acrescentar que respeito Cidade de Deus, pela projeção que o filme teve no mundo. Foi ótimo como redescoberta do cinema brasileiro, mas não é o estilo de filme de que gosto. Eu curto os filmes experimentais. E, além do cinema, eu curto a música brasileira. Adoro bossa nova na voz de João Gilberto com as letras de Tom Jobim. Também gosto de Marisa Monte, Adriana Calcanhoto e Chico César.
Dafoe ; Ela estudou bossa nova e entende bastante de música brasileira. E também está educando esse pobre gringo no assunto (risos).

Quais são as suas influências?
Giada ; Como atriz, o Rainer Werner Fassbinder e os filmes franceses da nouvelle vague. Como cineasta, são muitas. Entre os que estão vivos, o Manoel de Oliveira, de Portugal, e o David Lynch, o meu favorito, que tem uma forte influência no meu trabalho. Posso citar entre os que morreram recentemente o Claude Chabrol e Éric Rohmer.
Dafoe ; Eu nunca idealizei as estrelas de cinema. Eu tive uma infância bem normal e sempre fui ligado em teatro e nos esportes. Minha formação veio por meio das turnês que fiz na Europa com a minha companhia de teatro. Eu tive muita influência das artes plásticas e das companhias de dança, mais do que do cinema. Eu admiro muitos atores e diretores. Poderia dizer vários nomes, mas, após dizer esses nomes, acho que perderia o sentido. Não representaria o que realmente sinto, pois existem desempenhos e filmes por que sou apaixonado, mas ninguém consegue ser constantemente genial a ponto de eu querer seguir ou ser igual.

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