postado em 16/10/2011 11:11
Dá para afirmar que a música brasileira é a mais frutífera do mundo sem soar nacionalista? Para o jornalista Hugo Sukman, é possível, sim, e com uma postura que alia a visão apaixonada do crítico a um deslumbramento irresistível de um ouvinte. Na coletânea de ensaios Histórias paralelas: 50 anos de música brasileira (Casa da Palavra), o autor traça uma trajetória de cinco décadas em pouco mais de 260 páginas, mas consegue dar conta dos principais ritmos populares em relatos informativos e opinativos: samba, MPB, Tropicalismo, Jovem Guarda e a modalidade instrumental. ;São o que eu chamo de linhas paralelas. Sempre me incomodou muito essa universalidade da linha evolutiva da música, uma ideia genial do Caetano Veloso. É uma ideia tão poderosa quanto a do marxismo. Mesmo os não marxistas analisam a história do ponto de vista marxista, falam em classe social, essas coisas. A música brasileira se parece com isso;, diz.
Na coletânea de textos, acompanhados de uma generosa quantidade de imagens e compilação de entrevistas com Chico Buarque, Gilberto Gil, Carlos Lyra e o produtor João Araújo, Sukman observa que a música brasileira, de tão abundante, pode ser vista como um organismo vivo, estranho, enlouquecido de metamorfoses. ;Defendo que ela é uma anomalia. Até a primeira metade do século 20, havia no mundo inteiro uma música popular muito forte. Em 1954, surge Elvis Presley, que muda tudo. A música passa a ser pop, a produção americana influencia o mundo todo; menos o Brasil daqueles tempos;, analisa o pesquisador, ao falar dos primeiros movimentos da MPB, que buscava suas referências nos compositores e intérpretes dos anos 1930.
Uma e muitas
;Artes plásticas, cinema, literatura e teatro não tiveram a relevância estética, política, social e econômica que a música teve. Ela sempre esteve no centro da discussão da política brasileira, na mesma medida em que se tornou uma indústria poderosa e de importância afetiva para as pessoas;, comenta. Desde a criação da Bossa Nova, com os dedilhados gentis de João Gilberto, à bifurcação entre a inventividade do tropicalismo de Caetano e o intimismo de Chico, os acordes sempre ressoaram país afora com força criativa e imenso apelo popular.
No Brasil, pensa Sukman por fim, música é linguagem. E ela assume diferentes grafias em todas as regiões do mapa. ;A música brasileira se torna moderna nos anos 1950 e 1960. Os últimos 50 anos foram de consolidação de uma linguagem que muda com muita frequência;, filosofa. Ele não arrisca prever o futuro, mas acredita que o país vive um momento muito particular. ;A história não vai se repetir. Naquela época, era comum se fazer grupos, manifestos. A música não serve mais para isso. Hoje, você se expressa na sua casa, mais pessoas se expressam e fazem ligações com gente do mundo todo. São outras conexões;, reflete.
HISTÓRIAS PARALELAS: 50 ANOS DE MÚSICA BRASILEIRA
De Hugo Sukman. Edição bilíngue. Casa da Palavra, 264 páginas. R$ 90.
Trechos
;A alteridade Chico Buarque/Caetano Veloso foi marcante na disputa. Como tantas duplas antagônicas e complementares ; como Buster Keaton/Charles Chaplin, Fred Astaire/Gene Kelly, François Truffaut/Jean-Luc Godard ;, Chico e Caetano passaram suas vidas e carreiras modernizando, cada um ao seu modo, o legado da tradição musical brasileira;
;Quando o carioca Marcelo Camelo compõe, sozinho, em casa, ao violão, não é difícil filiá-lo à melhor tradição dos sambas e das marchas do Chico Buarque inicial, ou seja, à corrente central da MPB. Quando o grupo Los Hermanos, tendo o mesmo Marcelo Camelo à frente, executa suas composições ; ou mesmo quando Camelo canta em seus trabalhos solo ;, nota-se evidentemente que suas músicas estão também na tradição do rock ou da música experimental brasileira dos anos 1970, de estirpe pós-tropicalista. Quando intérpretes filiados às linhas mais ortodoxa da MPB, como Maria Rita ou Roberta Sá, cantam Marcelo Camelo, suas composições parecem se reaproximar da origem autoral, ou seja, da matriz buarquiana;