Diversão e Arte

Diálogos com o lirismo e com o amor pontuam as poesias de Alberto Bresciani

Nahima Maciel
postado em 19/10/2011 09:20

Bresciani, o poeta:

Se a vida é um constante diálogo, a poesia de Alberto Bresciani é um respiro entre uma conversa e outra. Como todo respiro, sempre existiu, só não era percebido. Juiz do trabalho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), mineiro de Juiz de Fora e radicado em Brasília desde 1988, Brescianie escreve poesias desde a infância, mas nunca teve intenção de publicar até se ver cercado pelos poetas da capital. Angélica Torres Lima, Nicolas Behr, Luís Turiba, Carla Andrade e Nélia Ribeiro tanto disseram que Bresciani, 50 anos, resolveu tentar. Incompleto movimento, cujo lançamento acontece hoje na Livraria Cultura, saiu da gaveta porque, segundo os amigos, lugar de verso é na boca do leitor. ;O livro era um movimento paralisado;, brinca.

A coletânea de 75 poemas está pronta há um ano e tem muito do próprio poeta. ;Uma vez, li um texto de Amós Oz em que ele condenava a busca do escritor por parte do leitor a partir do que ele escreve. Mas todo mundo escreve a partir de uma visão pessoal de mundo;, constata. ;Então, em muitos momentos, as situações podem não ter acontecido, mas partiram de uma visão pessoal minha. Sempre tive a necessidade de transpor esse sentimento e estado de espírito para o papel.; No papel, Bresciani dividiu a transposição em quatro partes às quais associou a ideia de movimento porque o ato de criar a poesia é também uma maneira de dialogar com a vida.

Dos gestos que transfiguram consiste numa espécie de conversa consigo mesmo. Aqui estão revelações, o espaço onde o poeta avisa ser um bom ouvinte, um observador do mundo e coletor de vislumbres. ;Ouço melhor do que vejo/e conheço ; mais do que tudo ; /a convulsão do peito/o extenso espanto eterno;, escreve. Curiosamente, é o poeta René Char, citado na epígrafe de Um jardim, quem dá o tom da escrita de Bresciani: ;Você tem pressa de escrever/Como se estivesse atrasado em relação à vida;. Tem a ver com a estreia tardia.

Dos gestos que iluminam vem a seguir com uma carga amorosa que o autor admite gostar bastante. ;Costumo brincar que meus poemas sempre são de amor, mesmo quando não são. A poesia, para mim, sempre traz uma imagem amorosa no geral e isso é uma situação que me instiga, me desafia;, diz. Mais ou menos como o perigoso Polígono, do qual emergem versos como ;Sobre a mesa/o movimento da faca/altera as faces do ar; e ;De outro/o atrito da hora/acorda a garganta;.

Em Dos gestos que atordoam, o poeta continua a descida nos desvãos da poesia amorosa. ;No topo/da queda/desencanto/e medo;, diz o verso de Hora desmarcada, um dos momentos em que Bresciani fala também de um certo desencanto presente aqui e ali quando se trata de refletir sobre o mundo. ;Não sei se é em decorrência do tempo ou da idade, mas percebo isso em relação ao mundo, à vida. Não prego o desencanto, mas vejo que ele anda aparecendo também no trabalho de escritores que fazem prosa;, repara, ao se lembrar de Philip Roth e J.M. Coetze. ;Mas não sou um pessimista. Sou otimista.; Dos gestos que paralisam encerra a coletânea com o que o poeta identifica como ;diálogos com eu lírico;. E como se quisesse prevenir o leitor dos caminhos tortuosos da poesia, escreve Implosão e adverte: ;Não há alívio/nas imperfeições dessa terra/já tão antiga/esquecida de ser outra.;


Poema

Implosão

Uma fratura exposta
de fora para dentro
Nervos expostos
aos arranhões calados
à profunda agulha
inteira dor
Não há alívio
nas imperfeições dessa terra
já tão antiga
esquecida de ser outra;


Incompleto movimento
De Alberto Bresciani. Record, 112 páginas. R$ 32,90. Lançamento hoje, às 19h, na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi (Lago Norte).

Leia trechos de poemas do livro Incompleto movimento, de Alberto Bresciani:

FATALIDADE
I
Sob chuva
desperta o mar
Sobre a chuva
lembrança de sol
II
Na dança do tempo
o nosso reflexo:
não há certeza
de rota
cada aceno
é risco
III
À praia,
todas as ondas
(carícia, entrega
açoite, fratura)
IV
Sem aviso, à frente
o dia cai.


EM-NOVO-ANO
As sinapses sem resposta
são a face mais distinta
dos interditos e indefinidos
que nos moldam e separam.

EXTRADIÇÃO
Fui expulso
para dentro da casa
que não sabia
expatriado
para antes
da voz
Quando descobri
as palavras
eram língua morta
(o que deixei
sempre
seria depois).


IRONIA
Sob a crosta
uma semente
que entretanto
germina.

Rabiscos do mundo
A poesia do mineiro Raphael Rocha é concreta, visual e não aceita regras. Os poemas do livro Do universo rabisco o mundo, antes de lidos, precisam ser vistos. Algumas palavras recebem um tratamento especial, formatos e tamanhos diferentes, de modo que a grafia no papel combine com o significado. ;A palavra, antes de qualquer coisa, é uma imagem e, como imagem, me permite essa brincadeira;, explica Raphael. O escritor Guimarães Rosa e o poeta Manoel de Barros serviram como inspiração e ganharam uma homenagem no livro, com uma combinação de versos dos dois autores no mesmo poema. Alguns textos retratam o cotidiano comum, outros revelam um pouco a história do autor. Trem, a palavra universal dos mineiros para definir qualquer coisa, é tema de uma bem-humorada poesia. O livro Do universo rabisco o mundo (Quártica Premium, 80 páginas, R$ 25) será lançado hoje, às 19h30, no Senhoritas Café, CLN 408, Bloco E.

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