Diversão e Arte

Leia a íntegra da entrevista com o blueseiro paulistano André Christovam

postado em 22/10/2011 12:42
André, qual foi a última vez que você se apresentou em Brasília? Como a cidade costuma recebê-lo?
Foi em 2010, no Festival Internacional de Blues, tocamos entre o Fernando Noronha e o Armadinho com Stanley Jordan... Ouvi dizer que tinha dois metros de serragem no palco depois do último show. O pessoal ralou a madeira das escalas de cada instrumento. Foi uma arregaço! Sou fã dos três, Armandinho, Stanley e Fernandinho! Estive poucas vezes em Brasília, quatro ou cinco vezes ao longo de 15 anos, eu creio, sempre tudo muito rápido. Mas sempre tive uma plateia muito a fim da música que me propus a tocar, isso faz com que o show ; para muitos ou poucos ; deixe um gosto bom na nossa boca.

[SAIBAMAIS]Quem são os músicos que tocarão com você?
São velhos guardiões das minhas virtudes (risos). Izal de Oliveira no baixo e Caio Dohogne na bateria. Eles são as turbinas do Caça Níqueis, banda paulistana de grande pegada. Montei o Projeto KT 66 com eles em mente.

Sobre o repertório, o que dá para adiantar?
Tive uma súbita vertigem e retrocedi ao início da minha trajetória musical. Vamos revisitar, com minha maneira um tanto peculiar de ;lidar com harmonia; a obra de minhas grandes influências inglesas: Eric Clapton, Peter Green & MickTaylor... O supremo triunvirato do Bluesbraker;s de John Mayall no meio dos anos 1960!

E disco novo, quando sai? Dá para falar alguma coisa sobre ele?
Não tenho previsões para gravar nada porque estou num processo muito intenso de estudo. Sou um eterno aprendiz, ando com uma fome de música que faz muito tempo não sentia. Tenho recebido uma grande orientação do baterista Zé Eduardo Nazário (Grupo Um, Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti) no que tange a minha evolução em vários aspectos de polirritmia e percepção, e uma profunda influência ao estudar os códigos de harmonia com o ;über; guitarrista Mozart Mello (D;Alma, Terreno Baldio etc). O objetivo é decifrar sons que minha alma pede, mas meus ouvidos não identificam, e meus dedos, pobres infelizes, vivem a correr atrás. Devo estar pronto para dizer algo em cinco anos, talvez mais, uns sete.

O público de blues se renova mais devagar?
Essa é uma situação que reflete o pouco interesse do jovem em algo que exija mais atenção que uma mensagem em código do Twitter, do Facebook ou algo do gênero. Você lembra de guardar dinheiro para comprar um disco e depois juntar os amigos em casa para curtir esse disco? Pois é, este fenômeno, o Encontro Social Para Se Ouvir Música, deixou de existir... É muito lento, não tem adrenalina, não tem testosterona, não tem imagens, e ainda por cima, tem que usar o cérebro, a imaginação. Isso é sacal, na opinião deles. Fica ainda mais difícil quando a música é tocada por gente que não os entende e não faz questão de chegar a eles. Tem muita banda que se satisfaz reprisando velhos clichês e propagando velhas meias-verdades. Quantos ainda vão se levantar de manhã e descobrir que a mulher fugiu com o porteiro, o carteiro, o leiteiro? Quantos vão morrer de tanto beber? Quantas mulheres eles ainda vão se gabar de ter tomado do amigo do amigo do amigo? Sem uma mensagem real e interessante, quem vai cativar esses jovens? Por isso, nesse exato momento de transição, sem muito a declarar, vou passear pelas obras dos meus ídolos e tentar adequá-las a minha maneira de ser... O enfoque será na maneira de ;pensar; com a guitarra, do que ;cantar; com ela. Nada muito incrível, mas fazer o quê? Às vezes, só às vezes, entenda bem, ainda tenho vontade de ver o que acontece por aí. Por isso, monto projetos, chamo os amigos e toco para me divertir. Sem muita pregação. Estou muito entediado com tudo para querer ser o porta-voz de qualquer coisa.

Ceilândia é uma cidade do Distrito Federal carente de grandes eventos. Como você vê a importância de participar de um festival que leva grandes artistas para lá?
Fundamental. Levar cultura aonde for necessário é a única ferramenta antiestagnação que alguém pode oferecer aos menos favorecidos. Deus permita que após o nosso show uma única pessoa, jovem ou não, se encante com minha música e opte por ser um guitarrista . Que os anjos digam amém e permitam que em 20 anos seja ele quem for, esteja encerrando a 46; edição desse evento. Gostaria de termos tido um convite para falar sobre a importância da arte para as crianças e para os jovens da região. Uma aula de guitarra em que outros aspectos, além de marcas de equipamento, escalas e acordes fossem abordados, algo como onde está o ;plugue; para se conectar a alma com os nossos dedos, sem conotação religiosa ou mística também. Quem sabe no ano que vem?

Depois de tantas décadas de atuação, qual você acredita que seja o seu legado musical?
A de ser estupidamente sincero em minha proposta de servir a música. Tivesse eu tido uma única atitude em direção ao populismo, a safadeza ou a picaretagem que sempre regeram a indústria fonográfica, eu teria ficado rico, mas já estaria morto e esquecido. Amo música demais para trair a confiança que ela tem em mim para ter me permitido ser um minúsculo e tosco alto-falante e propagar sua grandeza.

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