Diversão e Arte

Em seu 10º álbum, Lenine grava inéditas com sons do cotidiano

postado em 23/10/2011 12:54
Lenine vai logo avisando: ;A culpa é do Frederico;. Sim, ele mesmo, o canário belga da sogra, batizado pomposamente de Frederico VI. Pois o pássaro resolveu cantar justamente na hora em que Lenine ia gravar Amar é pra quem ama, parceria dele e Ivan Santos. ;Rapaz, ele estava ali no tom, e era tão bonitinho;;, comenta o compositor, sobre o som que vazava no estúdio e que o filho Bruno Giorgi (um dos produtores do disco) resolveu registrar também. Foi ;sob o impacto desse solo maravilhoso do Frederico; ; captado em volume baixinho e na íntegra ; que nasceu Chão, o 10; álbum da carreira (já nas lojas), com 10 faixas inéditas.

Parece só um detalhe, mas o ;solo; do canário diz muito do disco, gravado entre março e agosto deste ano. ;Não teve edição, o que você ouve ali foi como ele cantou;, ressalta Lenine. Assim como o pio do pássaro, Chão traz uma série de sons familiares: as cigarras (parece Brasília, mas é a Urca, o bairro carioca onde ele mora, em Malvadeza, um ;aboio passional;), os passos no chão de brita (num ;arranjo; da artista Sofia Caesar para a faixa-título), a máquina de lavar (em Seres estranhos, outra dele com Ivan Santos), a chaleira no fogão (feito vento em Uma canção e só); o metrônomo e a máquina de escrever (em De onde vem a canção), a motosserra (em Envergo, mas não me quebro, parceria com Carlos Rennó que era autobiográfica até ganhar discurso planetário, com a derrubada das árvores).

;Frederico abriu a janela para os sons do cotidiano;, observa o cantor. ;Esse tipo de ;ruidagem; sempre esteve presente nos meus discos, mas como elemento sonoro, que eu pegava, processava, editava e transformava em outra coisa. O diferencial é que, desta vez, esses sons não foram processados, não foram editados. Em Chão, os elementos orgânicos foram executados. Os passos foram pisados, o passarinho realmente cantou.;

Esse ;relevo sonoro; diferente do habitual veio da ausência da bateria. No novo disco, que ele define como ;eletrônico, orgânico e concreto;, não há nem uma música sequer gravada com bateria. O que pontua a segunda faixa, Se não for amor, eu cegue (mais uma bela dobradinha de Lenine e Lula Queiroga, parceiro desde o primeiro disco, de 1983), por exemplo, é o coração de Bruno. Pois é, o segundo dos três filhos do cantor não apenas dividiu a produção do CD com o pai e o guitarrista JR Tolstoi, como tocou baixo em quase todas as faixas, cuidou dos instrumentos inusitados (da chaleira à motosserra), mixou e ainda entrou (literalmente) com a batida do coração.

O conceito
Lenine conta que, embora estivesse pensando no CD de inéditas há um bom tempo, ele só surgiu de fato quando o título apareceu. ;Só fui compor, mesmo, depois que achei o nome do disco, coisa de uns sete meses atrás;, afirma. ;Sou apaixonado por esse monossílabo nasal, essa onomatopeia que carrega o ato de andar, ;chão;, ;chão;... Então, primeiro, foi a paixão vernacular. Depois vi que, entre os muitos significados que a palavra ;chão; tem, um me é muito querido: é tudo que sustenta. E por mais piegas que isso possa parecer, é o núcleo familiar o meu sustento.;

Não por acaso, a capa do disco traz uma foto de álbum de família. Na imagem, Tom, neto de Lenine (filho de João, o primogênito, cantor do grupo Casuarina), dorme no peito do avô. ;Aquilo não foi produzido não, eu e Tom estávamos dormindo de verdade;, reforça o compositor. ;Ali, na foto, sirvo de chão para o meu neto. E ele ali, sem saber o chão que é pra mim.;

Todas as composições do CD são recentes. E nada é da linha que ele chama de ;psicofonada;, aquelas canções que parecem vir prontinhas, letra e música. ;Essas foram mais na labuta. Nenhuma chegou para mim de graça;, ri o pernambucano, que escreveu mais de 20 para chegar às 10 que entraram no álbum. E a única que ficou sem os sons do cotidiano, digamos assim, foi Tudo que me falta, nada que me sobra. ;É porque foi feita pelo bate-papo do Facebook;, ele justifica. Escrita com Lucky Luciano naquela caixinha da rede, como um pingue-pongue virtual, a faixa foi gravada ;apenas; com violão, bandolim e baixo ; sem um pio de Frederico VI.

CHÃO
Décimo disco de Lenine, produzido por ele, Bruno Giorgi e JR Tolstoi. Lançamento Universal Music, 10 faixas.
Preço médio: R$ 24,90.

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