;É impossível. Acho que, agora, a fila tá começando a andar. Ela dá umas voltas, lá fora; passa pelo saguão do cinema, com mais outros tantos círculos e chega do outro lado da entrada, dando mais voltas.; Foi com essas frases, no último sábado, que a psicóloga Nelma Araújo, 29 anos ; decidiu, pela segunda vez, desistir de assistir ao filme Melancolia. Mas era assim que estava o Cine Brasília durante a mostra CCBB em Cartaz. Se, na primeira tentativa de assistir à polêmica fita de Lars von Trier, o casal de namorados Ana Flávia Lucas, 25 anos, bibliotecária, e Luiz Felipe Andrade, 24, professor de inglês, ficou impedido, pelo excesso de público, ambos aprenderam a lição, na segunda ida ao evento. ;Da outra vez, não tinha lugar para nos sentarmos, nem no chão. Agora chegamos mais cedo. Isso demonstra o sucesso do evento e a necessidade de Brasília pelo tipo de programação apresentada;, comentou a bibliotecária. ;Quanto mais usado, menos chances reais de o Cine Brasília seguir sucateado;, opinou Luiz Felipe.
No plano quase da devoção, com direito a demorados sons de ;psiu!” e ;psit!” para os espectadores que teimavam em conversar, a provisória mostra gratuita tem servido para desafogar o desejo do público atento ao cinema alternativo.
;O Cine Brasília era subutilizado. Tô achando ótimo, e espero que continue: é um vácuo na cidade ; a falta de programação boa ; que está sendo ocupado. Um ponto negativo é o de ser apenas um só espaço para tanto filme;, comenta Emília Vitória da Silva, 44 anos, farmacêutica e professora
Também docente (mas, na área de ioga), Marcele Lago, 39 anos, engrossava a fila de contentamento, ainda que, atrasada, só tenha visto metade do longa L;Apollonide ; Os amores da casa de tolerância, outro título apresentado. A mostra segue até domingo.
Expectativa
;Tá ótimo ;, mas não há mais cinema alternativo na cidade. Como a capital do país só tem circuito de filmes comerciais? Cinema é formação de pensamento e de opinião. Com o prevalecimento de Brasília ter tradição como cidade burocrática, se tem quase a morte do cinema: se a gente não vê nada, como discutir os filmes?;, argumenta Marcele Lago. Formada em história pela Universidade de Brasília (UnB) e em dança, no Rio de Janeiro, Marcele Lago. A moradora do ParkWay está na ;expectativa enorme; de ver o nascimento das salas que substituirão o antigo Embracine (CasaPark), prometidas para novembro, mas ainda sem data assegurada.
Sem concorrência, com ;confortáveis; 600 cadeiras à disposição e a custo zero, a mostra CCBB em Cartaz levanta brecha para a discussão da revitalização do Cine Brasília, prometida para avançar em 2012. ;Nos anos 1980 e 1990, diziam que não tinha opção de cultura, mas, se não era no Cinema da Cultura Inglesa, era no Cine Brasília, e tínhamos frequentes mostras, como as de Fellini e as de Godard. Cadê a Secretaria de Cultura, que deixou chegar a este ponto?;, questiona a professora. ;Até há pouco, aqui era muito triste: não tinha ao que assistir;, reforça a estudante de audiovisual da UnB Luísa Pietrobon, 22 anos.
Público diferenciado
Atenta aos documentários da extinta Academia de Tênis, fechada há quase um ano e meio, e espectadora das salas do Embracine (encerradas há quase cinco meses), Luísa Pietrobon ; que estuda canto popular e flauta transversal ; se satisfez com a projeção do documentário 2012 ; Tempo de mudança (de João Amorim), pela mostra CCBB em Cartaz. ;No Cine Brasília, os filmes estão bem acessíveis. No 2012, gostei de ver retratado o tema ligado à psicodelia. Eu conhecia o trabalho do micologista Paul Stamets, que é um pesquisador de cogumelos. Só pela difusão do assunto, já achei que o filme ajuda a abrir a consciência;, comentou a musicista, que ainda se desdobrou em elogios para o ;sensível; trabalho do diretor Gustavo Pizzi, à frente de Riscado, outro filme exibido no evento sediado pelo Cine Brasília.
Exemplo do público detalhista da mostra se encerra no consultor jurídico Márcio Ribeiro, 43 anos, que ; depois de assistir a Riscado, no Rio de Janeiro ;, ainda prestigiou, por outras duas vezes, na mostra, o ;belíssimo; filme de Pizzi, dedicado ao enredo de inesperado crescimento profissional de uma atriz que agarra a chance de estrear em um longa-metragem.
;Venho pela qualidade dos filmes e porque aqui é um cinema bem localizado e grande;, comentou a bancária Mônica Miranda, 49 anos, no terceiro comparecimento ao festival gratuito no Cine Brasília. Ex-frequentadora da Academia e da Embracine, ela destacou, no cardápio de filmes escolhidos, o veterano cineasta Claude Lelouch, que ganhou relevância imediata, por Esses amores. ;É maravilhoso e imperdível. Há muito tempo, não via um filme tão bom. Também adorei O homem ao lado, que é um filme argentino. A gente ficou tão carente de filme alternativo, né?;, comentou, pouco antes da concorrida exibição de Melancolia, no último sábado. ;O que me chamou a atenção para o filme de Lars von Trier foi a indicação feita por colegas;, disse. O boca a boca generalizado foi certeiro: para além do chão tomado por um mar de público; no fundão da ampla sala de 600 lugares, 62 pessoas assistiam, em pé, ao controverso longa.
CCBB em cartaz
Cine Brasília (EQS 106/ 107). Até domingo, em horários variados. Hoje, às 19h30, 180; (de Eduardo Vaissman), exibição seguida de debate com o diretor. Não recomendado para menores de 14 anos. Entrada franca, mediante retirada prévia de convite distribuído com uma hora de antecedência em relação à cada sessão.