postado em 25/10/2011 10:44
São Paulo ; Mesmo com a morte do criador Leon Cakoff, no último dia 14, a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo manteve-se firme e coerente na decisão de investir no critério do ineditismo a partir deste ano. Até 3 de novembro, só podem ser exibidos filmes estrangeiros que não tiveram nenhuma sessão no Brasil e filmes nacionais que nunca foram exibidos em São Paulo.
Mas o atrativo mosaico de títulos inéditos não tirou o brilho da recuperação da obra do cineasta turco radicado nos Estados Unidos Elia Kazan (1909 ; 2003), um dos destaques da edição. Nos anos 1950, o diretor foi acusado de denunciar colegas do Partido Comunista Americano ao Comitê de Investigações de Atividades Antiamericanas durante o período do macartismo. Esse se tornaria um estigma que o perseguiu até a morte em 2003.
Apesar de se manter cautelosamente distante das perguntas sobre o episódio, a viúva do cineasta, a escritora Frances Kazan, comentou a controvérsia com pesar. ;É uma pena porque ele conseguiu construir um legado fílmico importante. Esse episódio sempre será controverso. Assistir aos filmes dele sem o filtro da controvérsia pode ser muito interessante. Elia foi um grande artista;, salientou, sobre o diretor de Uma rua chamada pecado e Sindicato de ladrões.
Kazan foi um dos primeiros diretores a investir em atores como Marlon Brandon e James Dean. O último estrelou uma das obras-primas do cineasta. ;Estive tão ocupada aqui em São Paulo durante esses dias que só consegui rever Vidas amargas (1955). Não lembro quantas vezes o assisti, mas toda vez que assisto tenho a impressão de ter visto um ótimo filme. Consigo enxergar coisas novas que eu não tinha reparado ainda. Acho que nossa percepção muda ao longo da vida;, constatou Frances.
Laranja mecânica
Outros cineastas ganharam homenagens nesta edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O documentário Era uma vez; Laranja mecânica reúne depoimentos sobre a produção do clássico de Stanley Kubrick, Laranja mecânica (filme também exibido na mostra). O produtor e amigo pessoal de Kubrick, Jan Harlan, esteve no país para fazer as apresentações dos dois filmes. ;Sem dúvida, a herança mais importante do Kubrick é a crítica em relação a nós mesmos. Os filmes dele nos ajudam a enxergar com as luzes apropriadas. Ele era um otimista na vida privada, mas muito pessimista em relação ao futuro. Ele tinha um respeito enorme com a vida, isso fica claro por exemplo em 2001 ; Uma odisseia no espaço. Por isso, seus filmes não ficam datados;, acredita Harlan.
Estreante em longas-metragens, o cineasta italiano Samuele Rossi, 27 anos, foi a São Paulo para apresentar o filme O caminho para casa. Mostrou-se disposto a analisar a situação atual do cinema italiano. ;A grandeza e a ruína do cinema italiano estão na política de autor dos anos 1940. Nessa época, surgiram vários diretores que poderiam ser considerados gênios, como Federico Fellini, Vittorio de Sica e Roberto Rosselini. Hoje, só tem Nani Moretti. O ano de 1945 foi o ano zero do cinema italiano. Mas, não dá para construir uma indústria cinematográfica baseada apenas em gênios. Ao mesmo tempo, o cinema italiano perdeu a singularidade quando esses guias se perderam;, acredita Rossi. O exemplo é da Itália, mas poderia servir para muitos outros cinemas de outros países.
Para conseguir assistir a maior quantidade de filmes dos 250, exibidos até 3 de novembro, é preciso se organizar. Muitos cinéfilos riscam tabelas diárias com a previsão das sessões e o deslocamento (quando necessário) entre os 15 espaços que abrigam as sessões da mostra espalhados pela capital paulista. A organização é imprescindível. O atraso em uma sessão pode significar que o filme seguinte deixará de ser visto. A caverna dos sonhos perdidos, documentário em 3D, de Werner Herzog, e Fausto, de Aleksander Sokurov, (dois títulos muito aguardados) ainda integrarão a programação nas próximas semanas.
* A repórter viajou a convite da produção do evento
Caça aos comunistas
Sob a Guerra Fria, os Estados Unidos empreendem a perseguição aos comunistas, que ganhou velocidade sob as ações empreendidas pelo senador Joseph Raymond McCarthy. Entre muitas medidas, o congressista aprovou a formação de comitês e leis que determinavam o controle e a imposição de penalidades contra aqueles que tivessem algum envolvimento com atividades antiamericanas.
Cerrado Hollywood
A única produção da região Centro-Oeste selecionada para participar da Mostra é o documentário brasiliense Hollywood no cerrado, de Tânia Montoro e Armando Bulcão. O filme recupera a história das atrizes norte-americanas Joan Lowell, Janet Gaynor e Mary Martin, estrelas do período mudo norte-americano que resolveram se mudar para a cidade goiana de Anápolis, durante a década de 1950. Lá elas viraram fazendeiras e comerciantes. A sessão de domingo à noite no Espaço Unibanco da Rua Augusta ficou lotada. ;As pessoas estão comentando a respeito do filme e atraindo mais gente para as sessões;, contou a diretora.