Diversão e Arte

Documentário traça um retrato das múltiplas facetas de Tancredo Neves

Ricardo Daehn
postado em 28/10/2011 08:40

A última reunião do gabinete do governo de Getúlio Vargas, integrado por Tancredo, em reconstituição realizada especialmente para o filme: uma escola das artimanhas da política

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso comparece para detectar que não se tratava de ;um político banal;, mas de ;um matreiro com uma visão do Brasil;; enquanto o filho Tancredo Augusto destaca a qualidade do diálogo do ;paciencioso; pai e ;professor;. São cenas do documentário Tancredo, a travessia, que, por fim, chega urdido pela carga de emoção da viúva Risoleta Neves, a postos, para bater o martelo: ;Tancredo, nós amamos você;. Num contraponto, um moderado tom de despretensão acompanha o diretor Silvio Tendler, quando ele fala da falta de expectativas em relação a espectadores para o documentário que construiu e chega sexta-feira a oito telas de quatro capitais brasileiras. ;Acabaram os cinemas de rua, as salas estão nos shoppings e a característica do espetáculo é outra. Eu qualifico o público ; não o quantifico. Tenho é desejo de público, daquele que queira saber de Brasil, saber de história e conhecer parte da vida política;, explica.

Desejo pessoal de Tendler, desde os anos 1980, o filme ganhou força pela entrada do jornalista Roberto D; Ávila na função de produtor do longa. Tido como o cineasta dos documentários nacionais mais vistos no país (com a trinca O mundo mágico dos Trapalhões, Os anos JK e Jango), o ex-professor da repórter Andréa Neves (neta de Tancredo) e partícipe da campanha da eleição indireta do presidente votado em 1985 reforça não se tratar de filme de encomenda. ;Tenho muito orgulho de tudo que está lá e que eu assino. O filme é uma construção minha, sem pressões ou pedidos de fora. Não sei da reação da família ; devem ter assistindo entre eles, mas não recebi nenhum retorno. Fiz o meu trabalho e não fui pautado pela família. Não veio nem um tapinha nas costas, um parabéns, beijos ou obrigado (risos);, diverte-se.

Autor de uma ;trilogia presidencial; (com direito aos bem-sucedidos Os anos JK, uma trajetória política e Jango, considerado pela crítica como ;o filme das diretas;), o cineasta teve vários contatos pessoais com o presidente eleito que não tomou posse. ;Entrevistei ele, que me atendeu bem, para os filmes e se mostrou um cara super bem-humorado, apesar daquela aparência sisuda;, relembra.

O momento Hitchcock, com aparição relâmpago de Tendler no longa, antecipa a posição dele frente a possíveis críticas de afinidades com Tancredo. ;Acho que não existe neutralidade em história. Eu não milito em partidos políticos, mas apoiei a eleição do Tancredo, como todo brasileiro de bom senso fez. É um pouco da história da minha vida que está ali dentro;, diz.
Tancredo Neves, em cena do filme: paciencioso, escorregadio e sensato
Painel político

No movimento de massa, ;como se fosse uma campanha direta;, o diretor conservou ;a postura de cidadão e artista;, a exemplo de colegas como Chico Buarque, Milton Nascimento e Cazuza, que, pela ordem, na tela, cantam Vai passar, Coração de estudante e Pro dia nascer feliz. Na composição do painel político, que remonta ao nascimento em 1910 e ainda às etapas de ministro da Justiça, Primeiro-ministro e governador, comentaristas políticos (Mauro Santayana, Carlos Chagas e Miro Teixeira) balizam muito das estratégias e dos artifícios do político que poucas vezes se afastou do poder.

Olhar simpático

Sem envolvimento de dinheiro público, o filme tem patrocínio das empresas Ebx, Souza Cruz e Usiminas. Passível de soar a chapa-branca, a visão do diretor é objetiva, no discurso: ;Cabe ao espectador achar os defeitos dele. O filme é uma obra para ser curtida. Não acredito em neutralidade histórica. O cinema só é neutro quando a câmera está desligada. Quis fazer uma história simpática do Tancredo. Não quis escarafunchar os defeitos que, provavelmente tinha, como todos nós. Não foi o que me mobilizou, porém;, sublinha o carioca. Ele conta que a fonte primeira para o filme foi a peça, em torno do suicídio de Getúlio Vargas, O tiro que mudou a história, feita em parceria entre o dramaturgo Aderbal Freire Filho e o escritor Carlos Eduardo Novaes.

Confirmações feitas com políticos e historiadores renderam os contornos mais claros para o homem que herdou o caráter desenvolvimentista de JK e o acentuado ímpeto de renovação social de Getúlio Vargas. ;Nada ali é falso, sendo fruto de pesquisa. O que acho que aprendi com o filme foi a lealdade e a coerência do presidente, desde o tempo do Getúlio ; do qual foi Ministro da Justiça. Eu não sabia dessa relação tão próxima. Achei interessante que o conciliador, como Tancredo mesmo se apresenta, tenha sido duro, chegando a se dispor a pegar em armas para defender o presidente da República;, observa Silvio Tendler.

Na edição, Tancredo, a travessia conserva a declaração do ex-Ministro do Exército Leônidas Pires Gonçalves (peça-chave para a posse de Sarney) que fala dos militares ;desamados; pelos brasileiros. Outro dado interessante é a declaração muito pertinente de Tancredo, que cerca o episódio do atentado do Riocentro (1981).

Em meio a imagens que fazem parte do consciente coletivo ; que vão da versão adulterada de Fafá de Belém para o Hino Nacional ao tom solene do porta-voz Antônio Britto, passando por recriações encenadas de situações que envolvem os ;inquisidores fardados; ;, Tancredo, a travessia ainda deposita fichas no teor emocional de parentes como o neto Aécio Neves, que acompanhou o drama hospitalar do presidente (não empossado), morto em 1985. Pesam, daí, as supostas últimas palavras de Tancredo (;Eu não merecia isso;) e o valor da poesia de Ferreira Gullar, que homenageia o ;irmão ferido;, em texto reproduzido no filme.

Tancredo ; A travessia
Arco Íris Liberty, (SCN, Q. 2, Bl. D; 3326-1399). Sala 2, às 17h, 19h e 21h. No domingo, não haverá a sessão das 21h.

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