É de Irajá, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, de onde vem Nei Lopes, músico, historiador e escritor, que deixou de lado os carnavais no Salgueiro e na Vila Isabel para se aventurar em um bloco de rua em Piraí, município localizado no Vale do Médio Paraíba, também no Rio. Cantor e compositor, Nei é um dos responsáveis pela exaltação da cultura negra na música popular brasileira, com seus textos e canções com temática afro. Com todo o seu samba na veia, Nei Lopes vem a Brasília para abrir o projeto Conexão África Brasília, hoje, na Sala Cássia Eller, da Funarte. A programação também conta com shows das cantoras brasilienses Cris Pereira, Ligiana Costa, Renata Jambeiro; da goiana Camilla Faustino e da carioca Zezé Motta, que encerra o evento dia 25.
Ao lado de Wilson Moreira, Nei Lopes deixou na história um dos álbuns mais importantes da música brasileira: Ao povo em forma de arte. O trabalho, com um repertório centrado na africanidade, impulsionou projetos literários. ;Comecei exatamente refletindo sobre o samba e depois enveredei para outros caminhos, com ensaios, ficções. Nos meus romances, o universo do samba se entrecruza muito bem com o universo da história, da África, e eu acho isso saudável;, comenta.
O compositor carioca observa que o brasileiro não consome literatura nacional. De acordo com Nei, nas relações dos livros mais vendidos não há títulos brasileiros, mas, agora, acontece algo interessante: o aumento da venda das obras paradidáticas. O motivo seria a Lei n; 10639/03, que institui o ensino da história da África e dos africanos no currículo escolar. ;Vivemos num momento de muitas influências de determinadas correntes religiosas que demonizam a cultura africana e a cultura afro-brasileira e isso é muito sério. Dentro das próprias escolas públicas há resistência;, argumenta o vencedor do Jabuti (2009), com História e cultura Africana e afro-brasileira, na categoria paradidáticos.
Quilombo
Insatisfeito com os rumos que as escolas de samba estavam tomando no início da década de 1970, o mestre Candeia decidiu fundar o Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo. ;O espetáculo, as questões mercantilistas se sobrepuseram à valorização das comunidades;, lembra Nei Lopes, sobre o período pós-golpe de 1964 e em plena ditadura.
;O Quilombo foi uma entidade do movimento negro que tinha uma faceta de escola de samba em um determinado momento porque, durante o resto do tempo, se dedicava a projetos de inserção, tendo a cultura negra como meio condutor. E isso foi muito bom, pena que durou pouco. O Quilombo foi criado em 1975 e terminou em 1978, com a morte prematura do Candeia. Ele era uma liderança muito forte e ainda tentamos manter alguma coisa, mas não conseguimos;, constata.
As transformações chegaram a um ponto em que faltam negros nas agremiações. De acordo com Ancelmo Gois, a Beija-Flor quer mostrar a influência da cultura africana em São Luís, em 2012, mas não tem contigente necessário. Para Nei Lopes, ;a presença do negro ficou simbólica;. ;O samba como um universo de cultura negra foi desconstruído e os meios de comunicação têm uma culpa muito grande sobre isso. Eles o reduzem como um gênero músical que toca somente durante o carnaval. Não há uma valorização do samba como arte de permanência e de efervescência durante o ano inteiro;, completa.
Música negra brasileira
Pouco antes da segunda apresentação em Brasília, amanhã, às 18h, Nei Lopes participará de um bate-papo sobre a influência da cultura negra na atual produção musical brasileira com o DJ Pezão. ;A influência da música africana já se diluiu porque ficou brasileira. A grande matriz da nossa música na África está na Angola e no Congo, mas também há a vertente que está na África Ocidental, que tem muita força na Bahia. Essa marca ficou sendo a mais forte e está aí até hoje, nos axés da Ivete Sangalo, no ritmo de Timbalada, no som de Carlinhos Brown. É uma africanidade que está mais perceptível;, adianta o cantor carioca.
Programe-se
Hoje, às 20h, show com o cantor carioca Nei Lopes.
Amanhã, às 18h, bate-papo com Nei Lopes e DJ Pezão; às 20h, show com Nei Lopes.
Dia 10, às 20h, show com a cantora brasiliense Cris Pereira.
Dia 11, às 20h, show com a cantora goiana Camila Faustino.
Dia 18, às 20h, show com a cantora brasiliense Ligiana Costa.
Dia 24, às 20h, show com a cantora brasiliense Renata Jambeiro.
Dia 25, às 20h, show com a cantora carioca Zezé Motta.
Ingressos: R$ 10 e R$ 5 (meia). O bate-papo, amanhã, tem entrada franca. Não recomendado para menores de 14 anos.