Diversão e Arte

Após fim do Cine Academia, Brasília ganha um circuito alternativo de telas

Ricardo Daehn
postado em 05/11/2011 08:00
As oito salas do Espaço Itaú do Cinema serão inauguradas este mês no lugar onde funcionava a Embracine, fechada há cinco meses

Foi como num prenúncio: há menos de um mês, uma horda de cinéfilos fez fila, diante da programação diferenciada para o celebrado templo da sétima arte chamado Cine Brasília. A ampla sala fez papel de oásis para os espectadores que, depois do fechamento da Academia de Tênis e da Embracine, viram definhar o circuito de telas com fitas alternativas e que foram praticamente abduzidas das programações dos cinemas. Numa reviravolta, faz-se o milagre da multiplicação: já anunciado para este mês, o nascimento do Espaço Itaú de Cinema, com oito cinemas no mesmo CasaPark (que abrigava a Embracine), ganha um irmão quase gêmeo ; para 10 de dezembro, as quatro salas do Liberty Mall passam a se chamar Cine Cultura Liberty Mall, com projeto assumidamente diferenciado.

;O propósito será do resgate de espírito do Cine Cultura, o que já fica evidenciado no nome. A proposta é de artplex. Vamos mostrar filmes que não avançam no circuito, mas que dialogam com o público de arte;, explica o novo proprietário, Nilson Rodrigues. Depois de atuar ao longo de oito anos à frente do Cine Cultura de Campo Grande, ele será o programador das quatro salas que contarão ainda com a colaboração de Anna Karina de Carvalho, cineasta experiente na organização de festivais internacionais.

Capacidade
;A gente não estava com profissional que fosse especializado na busca de filmes de leitura mais difícil. É preciso ter alguém capacitado e que tenha relação sistemática com o mercado internacional, disso o Nilson é conhecedor e contará com um ponto maravilhoso e bem simpático;, observa Mário Luiz dos Santos, o ex-diretor proprietário das salas, que fecham para reforma no próximo dia 10.

Com investimentos da ordem de R$ 1 milhão, as salas serão reformuladas com poltronas novas, equipamentos digitais mais modernos (da empresa Auwê, a antiga Rain) e renovação do dito lounge, na entrada do ambiente. Mais conforto será prioridade. ;O nicho de consumidores terá o benefício da programação alternativa e dos filmes de arte híbridos;, explica Nilson Rodrigues. A sala ; que, no passado, já cravou ousadias como a exibição de Sal;, ou os 120 dias de sodoma (de Pier Paolo Pasolini) ; contará com 340 poltronas, pouco mais da metade da capacidade do Cine Brasília.

;Altamente qualificado;
A incandescência do público naquele cinema, especialmente durante a realização do Festival de Brasília, por sinal, move muito das perspectivas de Adhemar Oliveira, um dos proprietários do novo Espaço Itaú de Cinema. Há mais de 25 anos no mercado, ele vê o público local como ;altamente qualificado; e ;um consumidor muito atento;. ;Se no Festival de Brasília há mostra de um público juvenil promissor, a gente percebe que não se trata de uma cidade pacata ; queremos estender o clima de agito, ao longo dos 365 dias do ano. A festa do cinema tem que ser permanente;, reforça.

;Vamos lutar pela diversidade; é o novo lema para o empresário, que recentemente sofreu a perda do intenso colaborador Leon Cakoff, uma das bases para a difusão do chamado cinema de arte. ;Para um mercado relativamente pequeno, é uma imensa perda a de um guerreiro como o Cakoff;, sublinha, ao falar da inaugural parceira com o bem-sucedido lançamento de Asas do desejo, em fins dos anos 1980.

Uma mudança de perfil naquele cenário inicial refletirá na lida de Adhemar à frente do Espaço Itaú de Cinema (que substitui a marca Unibanco Arteplex). ;A nossa intenção não é a de tratar de modo ideológico a programação, mas atentar para a visão econômica, com tratamento pragmático e programático. Já apanhei muito com a visão sonhadora;, conta.

Filmes diferenciados
Na criação de plateia para os filmes diferenciados, o Brasil precisa ter mais salas, na visão do também programador do circuito a ser criado na cidade. Se já contabiliza 110 salas, em 15 cidades brasileiras, ele pretende implantar mecanismos para obter o aumento na frequência per capita dos brasileiros às salas de cinema. ;Com menos do que uma ida por ano ao cinema, os brasileiros têm consumo médio de filmes inferior ao dos mexicanos e ao dos argentinos;, comenta.

Além da continuidade de iniciativas como o Clube do Professor e do projeto Escola no Cinema ; para estímulo das plateias docente e de alunos ;, algumas estratégias para atração de público estão em curso, na manga do exibidor, que, paralelamente, investe na distribuição por meio da Espaço Filmes. ;Aplicaremos um conceito de trabalho, com aposta nos lançamentos na horizontal. É uma forma de perpetuar a permanência dos filmes de porte mais limitado. Com cinco sessões corridas e completas, um exibidor normalmente tiraria um filme que trouxesse mau resultado, logo na primeira semana. Acertar o público é uma loteria, às vezes. Então, uma medida para um filme independente dar certo é a de ter uma sessão, mas que se estenda, por exemplo, por 28 dias;, explica Adhemar Oliveira. A maior exposição multiplica as chances de que fitas pequenas cheguem a ser consumidas, ainda que, futuramente, no lançamento em DVD.

Para Brasília, o especialista detectou a necessidade de duas salas com suporte para o segmento do 3D. ;Não tem jeito, o 3D não pode deixar de existir. Faz parte do preceito construtivo da diversidade na programação. Há períodos como o de janeiro, por exemplo, que as próprias distribuidoras se desencorajam no lançamento dos filmes independentes;, diz, ao contar das perspectivas de não se firmar apenas no segmento do filme de arte. Som e tela importadas farão par com poltronas novas no empreendimento do pioneiro a trazer para o Brasil, em São Paulo, o sistema Imax (com a enorme tela de 300 metros quadrados).

Entusiasmado com os resultados do nacional O palhaço, ele conta que o trabalho junto ao cinema brasileiro ganhou novos contornos, desde o ;megarresultado de Tropa de elite;. ;Estaremos abertos aos filmes nacionais que conversam com o público e não travam o fluxo dos títulos mais autorais;. A explosão contemporânea, na visão do empresário, diminuiu o alcance do star system, mesmo o reservado aos medalhões. ;As pessoas se perguntam: ;Cadê a corrente de abre-alas do segmento?;. Tem o Almodóvar, o Woody Allen, o Lars von Trier. Mas, essa tropa de consagrados era maior. O público fica meio perdido. Às vezes, espera o carimbo de um festival. Existe uma certa demora do espectador para triturar a informação;, diz. Daí o desafio de Adhemar de buscar os títulos nada convencionais e que inflamem ;a imaginação; do público, fazendo o famoso boca a boca, ;um motor de publicidade para os pequenos (distribuidores) não têm grana para fazê-la;.

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