Diversão e Arte

Premiada HQ Asterios Polyp , de David Mazzucchelli, chega às livrarias

postado em 09/11/2011 11:13
Usado sem critério, o termo graphic novel é banalizado no Brasil. Hoje, qualquer publicação com uma história completa ganha essa chancela sem necessariamente a ser. O fato de a trama se resolver até a última página ; em contraposição, por exemplo, às revistas em quadrinhos mensais, com narrativas continuando na edição seguinte ; não é o suficiente para classificar uma HQ como tal. Isso acontece por o termo não ter critérios tão estritamente definidos. Uma graphic novel é um romance (o gênero literário) narrado com o auxílio de ilustrações em sequência (a linguagem visual dos quadrinhos). O que ajuda a separar o joio do trigo é a intenção do autor.
A premiada Asterios Polyp explora as várias linguagens das HQs
As graphic novels se popularizaram com títulos que buscavam temas pouco (ou nunca) explorados na mídia quadrinhos e outras maneiras de contar as histórias, com narrativas gráficas mais rebuscadas. São obras geralmente indicadas para leitores maduros. Surge daí o selo de qualidade geralmente associado ao termo ; espertamente usado por editoras para atrair leitores e, em muitos casos, vender gato por lebre.

Nesse contexto, Asterios Polyp chega em um momento interessante às livrarias brasileiras. A HQ de David Mazzucchelli foi lançada em 2009 e laureada no ano seguinte como melhor graphic novel nos prêmios Eisner e Harvey (os dois mais conceituados dos quadrinhos nos Estados Unidos). O destaque que Asterios recebeu, na imprensa internacional, trouxe para a obra leitores que não necessariamente leem quadrinhos. Isso gerou um feedback diversificado para a HQ e uma série de avaliações tanto sobre suas qualidades literárias quanto quadrinísticas.

Uma folheada em Asterios Polyp é o bastante para encher os olhos. O visual do álbum é impressionante. E não teria como ser diferente, já que o autor é David Mazzucchelli é veterano dos quadrinhos, que há tempos abandonou as séries regulares de super-heróis (ele desenhou sagas antológicas dos personagens Batman e Demolidor) para se dedicar a projetos pessoais. Constantemente se reinventando
como artista, Mazzucchelli apresenta, em Asterios, um traço diferente do que mostrou anteriormente. Seria quase impossível saber que é ele o ilustrador da HQ sem ver seu nome na capa.

Nada na arte de Asterios é à toa. A palheta de cores, os formatos dos balões de fala, o design dos personagens, a diagramação das páginas, a construção das cenas; enfim, tudo serve a uma função na condução da história (e para causar algum efeito no leitor) e é usado de maneira criativa e inovadora. Uma autêntica exploração das possibilidades da linguagem das histórias em quadrinhos. Como narrador visual, Mazzucchelli é um mestre. Algumas pontas soltas deixadas pelo caminho da trama, no entanto, revelam um roteirista em desenvolvimento ; detalhe compensado pelas incríveis ilustrações.

A procura de si
No seu 50; aniversário, o personagem Asterios Polyp tem um momento de revelação. Filho de pais gregos (o sobrenome da família foi encurtado por um agente da imigração americana), ele viveu seus 50 anos assombrado pelo fantasma do irmão gêmeo (Ignazio), morto no parto. Arquiteto de papel (que conquistou renome graças a seus projetos, não das edificações construídas a partir deles), Asterios passou a vida como um catedrático arrogante e narcisista, preso a neuroses e visões de mundo muito rígidas, que o impossibilitaram de enxergar a beleza além de seus preconceitos ; atrapalhando sua relação com as pessoas, inclusive com a mulher, Hana. Ao perder tudo em um incêndio, o protagonista sai em busca de uma revisão de sua vida.

Mazzucchelli preenche a narrativa de citações filosóficas e ensinamentos herdados dos gregos antigos. Eles surgem tanto na fala dos personagens quanto nas imagens. A aproximação com a filosofia, incomodou muitos leitores, que observaram a superficialidade com que o autor as utiliza. O problema, neste caso, seria mais com o próprio protagonista do que com Mazzucchelli. Até porque Asterios Polyp não tem pretensões filosóficas. Acontece que o herói da HQ é, em muitos momentos, tão irritantemente cheio de si, prepotente, que fica difícil não nutrir alguma antipatia por ele.

Isso, na verdade, é um trunfo da HQ. Asterios é um personagem vívido, crível. Assim como são todos do elenco. Os simbolismos que pipocam pela trama ajudam a tocar a história. Mas é a trajetória do personagem e seus dramas que a conduz. Na dúvida do que é uma graphic novel exemplar? Em forma e conteúdo, Asterios Polyp é uma ótima opção.


Traço elegante
O desenhista americano começou a ser conhecido pelos leitores de quadrinhos a partir de seus trabalhos com os personagens Batman e Demolidor ; com um traço sempre elegante e uma narrativa elaborada. Do primeiro, ilustrou a minissérie Batman ; Ano um, com roteiro de Frank Miller, uma das mais consagradas do Cavaleiro das Trevas. Do Demolidor, desenhou a saga A queda de Murdock, outra parceria com Miller e momento clássico do herói cego. Com o roteirista Paul Karasik, Mazzucchelli adaptou Cidade de vidro, do escritor Paul Auster.

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