O alarme de incêndio da Câmara dos Deputados está ligado, mas não há fogo. O sinal sonoro foi disparado por engano. O intervalo forçado pelo dispositivo de segurança não tira a concentração de Murilo Salles e da equipe cinematográfica, a postos, para uma cena na esteira rolante, que liga os anexos 2 e 4. O barulho cessa. ;Beleza, vamos voltar;, orienta uma assistente de direção. ;Todo mundo nas posições;, grita a jovem. ;Vai, esteira;, ela diz para que outro integrante da equipe faça-a funcionar. ;Ação!”. Pessoas passam apressadas. Uma mulher discute ao celular. A movimentação dura poucos minutos. Corta. ;Foi lindo, Cíntia!”, elogia o diretor sobre a atuação da atriz Cíntia Rosa. Mas Salles quer mais algumas tomadas. Todos voltam às posições iniciais e repetem tudo outra vez. E outra vez. E outra vez. Cinema é assim. Recriar a realidade exige paciência.
;Cada vez mais, eu gosto de fazer ficção pela pegada documental, tentando ser o mais realista possível;, comenta o cineasta carioca, 61 anos, em entrevista ao Correio. ;Acho que você constrói uma bela ficção sendo um bom documentarista. E só se torna um bom documentarista fazendo ficção;, afirma. No último dia 5, depois de rodada a sequência da esteira, Salles tinha duas cenas para fazer no Senado. No dia seguinte, ele e a equipe voltaram ao local para filmar. E voltarão para lá em futuras datas. É que o Congresso é pano de fundo para O fim e os meios, novo longa-metragem de Salles.
Apesar do cenário, o filme não é sobre política, ainda que o assunto permeie a trama. ;O brasileiro tem essa coisa de ;eu não tenho nada a ver com política;. Como assim? O ato de você comprar uma água mineral da marca X ou Y é um ato político. Se você fuma ou não; Se dirige acima de 100km por hora na cidade; São atos políticos. Tudo o que você faz, todas as suas decisões interferem no outro;, reflete o diretor. Seguindo essa linha de pensamento, Murilo Salles considera esse seu projeto mais explicitamente político ; ainda que as relações humanas, ele pondera, sejam o escopo do filme.
Amores de gabinete
O título do longa dá pistas sobre as inspirações do diretor. ;Quero mostrar que não existe fim, existem os meios. A vida é o meio. E o meio é a mensagem do filme.; A ganância desmedida por poder, dinheiro e sucesso, diz Salles, pode desandar a vida de uma pessoa. ;Essas coisas projetam as contradições da ambição, da desmesura da alma humana;, observa.
No filme, Marco Ricca interpreta Hugo, jornalista paulistano, assessor de imprensa de um senador veterano em busca de melhorar sua imagem pública para tentar a reeleição. ;O meu personagem é gente boa, mas não consegue ouvir muito não. Se precisar, ele te mata!”, brinca o ator, 48 anos. Para a campanha do senador, Hugo contrata o jovem publicitário carioca Paulo Henrique (papel de Pedro Brício), que vem do Rio para Brasília com a mulher, a jornalista Cris Moura (Cíntia Rosa), e a filha pequena. ;Eles estão juntos por causa da menina, não por amor;, detalha a atriz, 31 anos. A personagem enxerga a vinda para a cidade como uma oportunidade de crescer na profissão, trabalhando na cobertura jornalística política. ;Paulo vai trabalhar com o senador em Alagoas, que é o estado base dele, e abandona a mulher em Brasília. E Cris começa uma relação muito apaixonada com o patrão do marido, o Hugo;, adianta Murilo Salles.
O elenco de O fim e os meios ainda conta com Murilo Grossi, Emiliano Queiroz, Hermila Guedes, Jonas Bloch e Elisa Lucinda. Além de Brasília, as filmagens passarão por Rio de Janeiro e Maceió.