Breu, texto inédito do ator, diretor e dramaturgo carioca Pedro Brício, que faz sua estreia nacional em Brasília, ganhou versão teatral por meio de uma ação entre amigos. Ele recebeu o argumento inicial das diretoras Mywa Yanagizawa e Maria Sílvia Siqueira Campos, e adicionou temas que o interessam, como ditadura e memória. A esse caldeirão de referências, some-se a participação das atrizes e da equipe envolvida no desenvolvimento do figurino, da trilha sonora e do cenário. ;A narrativa foi se transformando durante o processo. É um diálogo artístico entre todos os envolvidos;, destaca Mywa. O resultado do processo coletivo (que passou por mudanças mesmo depois de chegar a Brasília) poderá ser visto de amanhã a 18 de dezembro, às 20h, no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil. (CCBB).
Na trama, duas mulheres desconhecidas, de gerações distintas, têm um encontro revelador. Uma delas precisa entregar uma grande remessa de cachorro-quente e contrata uma ajudante de cozinha. ;É uma lente de aumento, humanamente falando, no encontro entre essas duas pessoas;, destaca a atriz Andréia Horta, que estrelou a minissérie Alice, do canal HBO, e viveu a Bartira na novela global Cordel do fogo encantado, entre outros trabalhos.
A história se passa em uma casa de subúrbio, durante os anos de chumbo. ;A ditadura é uma atmosfera que está sempre rondando;, esclarece Mywa. ;É um espetáculo que trata do extraordinário, mas também do cotidiano. Às vezes, a vida da gente é surpreendida pela estranheza e por pequenas violências;, afirma Pedro Brício. Uma condição especial de uma das personagens exigiu que toda a equipe mergulhasse em uma preparação diferente para entrar em cena. Mas não estraguemos a surpresa.
;Queríamos chegar a uma dramaturgia com outras vias de percepção, que a história proporcionasse outros lugares sensoriais para o público. Não é teatro de sensações, mas sim tirar coisas do invisível, contar a história sem usar só a referência visual;, explica Mywa, veterana do teatro e da televisão, conhecida do grande público após o papel de Tomie (mãe da atriz Danielle Suzuki na novela Viver a vida, de Manoel Carlos).
Narrativa
;De todos os meus textos, este talvez seja o mais aberto. Queria proporcionar espaços para que elas inserissem suas próprias criações;, conta Brício. Apesar das camadas surgidas durante o processo, há trabalho para o público. ;O olhar do espectador é muito importante. Ele é que vai criar sua própria narrativa;, avisa Kelzy Ecard, que divide a cena com Andreia, e recentemente montou Meu caro amigo, musical com canções de Chico Buarque. ;O texto não se conclui ou define. Não há certezas, mas um lugar de criação em que tudo pode ir se alterando;, avisa Mywa. ;É como um tecido sendo trançado;, complementa Andréia.
As cadeiras dos espectadores ficam no mesmo nível do cenário, que reproduz a cozinha de uma antiga casa de subúrbio, com estantes, paninhos de prato, horta, além de uma janela que se abre para o quintal, que deixa entrever garrafas velhas, varais e uma árvore, trazida do Rio de Janeiro. De tão cheio de detalhes, o palco virou ponto de visitação de funcionários do espaço. ;Poderíamos transformar em museu;, brinca a diretora Maria Sílvia.
Música no ar
Responsável pela trilha, que mescla composições inéditas a clássicos (há uma vitrola em cena que toca uma canção de Billie Holiday, por exemplo), o músico Felipe Storino encarou um desafio diferente neste trabalho. ;A música carrega bagagem emocional, sempre te leva longe, te faz viajar. Nesta peça, o grande exercício era te deixar neste lugar;, afirma. Para compôr os temas da montagem, ele também participou dos ensaios. ;A peça é um molho, em que todos colocaram ingredientes;, comenta.
Breu
Dramaturgia de Pedro Brício. Direção de Mywa Yanagizawa e Maria Sílvia Siqueira Campos. Com Andréia Horta e Kelzy Ecard. De quinta a domingo, às 20h, no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB ; SCES Trecho 2, Conjunto 22 - 3108-7600). Ingressos a R$ 6 e R$ 3 (meia). Classificação indicativa livre.
Preparação
Como o nome sugere, Breu tem cuidado especial com as alterações de luminosidade, e essa característica exigiu uma entrega dos atores e da produção a situações inusitadas. Sem ser avisada, Andreia Horta precisou entrar em um teatro completamente escuro. Mesmo conduzida pela mão, foi tomada pelo pavor. ;Sempre tive medo de escuro. Mas sempre pensei que, com tantas mulheres reunidas, esse Breu só pode ser interessante;, revela. Para que todos se adequassem ao espaço, uma cozinha idêntica foi montada em uma sala de ensaio. O elenco chegou a Brasília seis dias antes da estreia, para se adaptar à nova disposição do cenário.