Arthur Flowers estava no Festival de Literário de Jaipur, na Índia, quando perguntaram se ele queria fazer um trabalho sobre Martin Luther King com Manu Chitrakar, um artista patua indiano. ;Explicaram que patua são contadores de histórias tradicionais que usam um rolo para pintar histórias enquanto as contavam. E, para manter vivo o formato tradicional da arte indiana, lançavam livros de arte contemporânea;, lembra Flowers, professor do departamento de inglês da Universidade de Syracuse, em Nova York.
E o que parecia ser distante, estava mais próximo que Flowers imaginava. Apesar das dificuldades (Manu nunca tinha saído da sua vila, não falava hindu e não sabia nada sobre Luther King), a história dos dois se encontrava em um ponto fundamental: a rejeição aos intocáveis na Índia era motivada pelo mesmo fator da segregação dos negros nos Estados Unidos da década de 1950: o preconceito. E entre encontros e desencontros nasceu Vejo a terra prometida ; obra que narra a vida do ativista negro desde a infância religiosa, com a família batista, até o assassinato num hotel de Memphis, passando por um flashback que viaja ao século 15, com a escravidão na África.
Mesmo com tradutores e guias narrativos (story lines), a graphic novel ainda precisou de algumas adaptações para melhor compreensão do indiano e internacional. ;Por exemplo, em vez de retratar o Deus cristão de Luther King, preferi colocá-lo como um instrumento dos deuses, porque sabia que o público indiano ficaria mais confortável com esse conceito. Isso também me possibilitaria colocá-lo no contexto dos deuses pan-africanos, com uma teologia afro-espiritual;, revela.
Já outras mudanças surgiram pelas diferenças culturais, como a embarcação com escravos que mais parecia navios vikings, com proas em forma de dragão. ;Não está historicamente correto, mas ele capturou a essência De qualquer maneira, é uma evocação única e poderosa de uma grande verdade. Em outras situações, Manu desenhava cenas de lugares que nunca tinha visto. Ele é um gênio não reconhecido. Foi muito interessante ver personagens afro-americanos retratados sob olhar, arte e retórica indianas. Amei o produto final: uma mescla de duas tradições em algo único;.
A luta de King
Criado em uma família religiosa, Martin Luther King formou-se em teologia e, em 1954, tornou-se pastor de uma igreja batista no Alabama. Mas foi no ano seguinte que sua vida ganhou o caminho da política. Ao saber da recusa da costureira negra Rosa Parks em ceder o assento no ônibus a um passageiro branco, liderou um boicote pela desegregação dos transportes públicos nos Estados Unidos. A manifestação ; que durou mais de 300 dias ; foi só o começo de uma luta incansável pelos diretos humanos, que lhe rendeu, em 1964, o Prêmio Nobel da Paz.
;Quis reforçar o compromisso de Luther King em sua luta, que enobreceu as pessoas em vez de degradá-las. Ele sentiu que a luta melhorava as pessoas e fez o máximo para não degradar a cultura afroamericana e igualá-la à luta pela dignidade humana. Quis refletir isso no trabalho porque penso será importante para as gerações futuras;, comenta Arthur Flowers, que fez questão de refletir uma imagem mais complexa (e completa) do líder negro.
Colaborou Felipe Moraes
Vejo a terra prometida
De Arthur Flowers, com ilustrações de Manu Chitrakar e design de Guglielmo Rossi. WMF Martins Fontes. Preço médio: R$ 44