Severino Francisco
postado em 22/11/2011 00:01
Como e quando surgiu a idéia da criação do museu da fotografia?A ideia do Museu da Fotografia Brasileira surgiu a cerca de 3 ou 4 anos, no início do renascimento do Rio de Janeiro, quando circulavam várias idéias da criação de museus de todo tipo. Fui consultado a esse respeito e me lembrei de um antigo projeto meu intitulado "A fotografia através das famílias" e "As famílias através da fotografia". A proposta era fazer duas mostras paralelas: uma reunindo antigas fotografias de família ; uma velha prática de uma época em que fotógrafos profissionais percorriam cidades do interior, visitando fazendas oferecendo seus serviços. Muitos de nós em nossos álbuns de família temos fotografias dessa época ; final do século 19 ou início do 20. A qualidade dessas cópias é impressionante, resistem ao tempo, aos modismos e às comparações com as novas tecnologias. A outra mostra era garimpar fotógrafos amadores com qualidade de profissional. Acredito que em todas as famílias de classe media, sempre tinha alguém que era considerado o fotógrafo oficial. Meu pai, por exemplo, tinha uma rolleiflex. Como esse projeto tinha ao mesmo tempo um caráter de preservação e de apuro estético, acredito que ele possa ter sido o marco zero do que poderia vir a ser o Museu da Fotografia Brasileira.
Você se baseou em que para chegar ao projeto?
Eu tenho uma tia e uma prima que são museólogas, pessoas bem próximas de mim e que muito influenciaram minha formação. Por outro lado, quando eu fiz um curso de fotografia nos anos 1970 no Museus de Arte Moderna do Rio de Janeiro, me vi envolvido com quatro fotógrafos excepcionais, que foram meus mestres e se tornaram meus amigos ; Antonio Penido, Lauro Escorel, Douglas Lynch e Afonso Beato. Com eles tive um profundo aprendizado de técnica, estética e história da fotografia. O fato do curso ter sido realizado no MAM, me deu a possibilidade de enxergar através das paredes do museu. E assim, aprender toda movimentação em torno de uma exposição, desde a sua montagem até a repercussão por ela causada. Fora minha vivência pessoal, o Brasil está intimamente ligado ao surgimento da fotografia no mundo. Hercule Florence, um dos pioneiros da arte fotográfica, residia em Campinas ; interior de São Paulo ;, quando em 1833 registrou seu invento baseado no processo de reprodução (positivo e negativo). Alem disso, acrescente-se o fato de Dom Pedro II ter sido fotografo e dono de uma espetacular coleção de retratos, assim como vários outros membros da família imperial. Na verdade, colecionar fotografias era uma grande moda no império. Naturalmente, foi uma moda influenciada pelo Imperador.
Aliás, em que estágio está o projeto? Ainda é algo embrionário?
É bem embrionário. Na verdade é uma ideia.
De qualquer forma, você poderia dar alguns detalhes?
Temos assistido a uma ocupação, cada vez maior, da arte fotográfica no espaço dos museus. Temos assistido, também, o encontro de novas coleções como a da imperatriz Thereza Cristina. Nos últimos anos, a publicação de livros sobre fotografias brasileiras teve um aumento espantoso. Ao mesmo tempo em que aumenta nosso acervo, aumenta também o número de pessoas interessadas em colecionar, estudar, teorizar e historiar a arte fotográfica. Se temos a memória e o pensamento, porque não idealizar um museu dedicado exclusivamente a essa arte. Um museu com espaços para exposições, palestras, cursos, arquivos. Um museu que possa contar a história do Brasil em suas diversas fases, com diversas interpretações e diferentes cortes. No momento em que novas tecnologias se oferecem em vários formatos, a fotografia tem se popularizado de forma espetacular, tornando-se um meio de expressão que fascina e transforma as pessoas. A fotografia surgiu e se manteve como arte produzida pela elite financeira, teve um surto de popularização com o crescimento da imprensa, esteve nas praças com os lambe-lambe e agora está nas mãos de qualquer um dos milhões de possuidores de telefones celulares. Mas, é bom notar, em nenhum momento perdeu seu poder de encanto sobre as pessoas. É impressionante como a fotografia se tornou popular. Acontece com ela algo semelhante ao que ocorreu na musica ; parece que qualquer um é capaz de se tornar um fotografo profissional e, ao mesmo tempo, os profissionais buscam os ruídos de imagem característicos das técnicas tradicionais. É igual ao fetiche do som do LP. Tenho convicção do enorme sucesso popular de um museu dedicado à arte fotográfica. Um museu baseado em memória, conectividade e interatividade. Está mais do que na hora de olharmos pra cara do Brasil, de ter um retrato dos brasileiros.
O que falta para a ideia ser desenvolvida?
Transformar o desejo em vontade. Arregaçar as mangas e começar a trabalhar no projeto. Desenvolver, planejar e viabilizar. Existem várias coleções espalhadas por museus não especializados que carecem de conservação, classificação e, sobretudo, exposição. Você já imaginou o excitamento que pode causar entre os arquitetos de todo o mundo projetar um Museu da Fotografia em Brasília?
Pelo visto, você tem bom conhecimento de Brasília. Esse conhecimento foi determinante para que vislumbrasse a capital como futura sede do museu?
Já estive em Brasília muitas vezes para shows, apresentação de poesia e uma temporada mais longa, cerca de 60 dias, em Planaltina, na casa de Cildo Meireles ; é óbvio que a cidade é fotogênica, não só pela sua natureza, mas por sua arquitetura. Mas o que me parece mais importante, é o fato de sua construção ter sido detalhadamente fotografada, contando a história das pessoas que participaram da construção, O crescimento desordenado ; suas periferias ; também está documentado. Acredito que um grande museu de fotografia, pioneiro no país, seria extremamente importante do ponto de vista urbanístico, turístico, cultural e educacional para a cidade. A escolha de Brasília, em minha imaginação, se deve em primeiro lugar, ao modernismo que inspirou a cidade ; a fotografia já nasceu como arte moderna; em seguida à famosa luminescência do céu do planalto central e, finalmente, ao clima seco, já que a umidade sempre causa problemas de conservação, aumentando cuidados e custos. Com o pensamento voltado para Brasília, lembrei da UnB e das visões de Darcy Ribeiro e de Vladimir Carvalho, que expunham uma realidade interiorana brasileira com realismo e não de forma exótica. E ainda a iniciativa pioneira do CNRC ; Centro Nacional de Referência Cultural, que iniciou uma atividade sistemática de registro e catalogação de manifestações culturais que se encontravam virgens de documentação. E também da expressiva geração de artistas plásticos, na década de 70, que utilizou a fotografia como suporte ou como documentação de seus trabalhos conceituais. E sendo a capital do país, Brasília teria condições de guardar e contar a história fotográfica da república. Se os grandes pintores brasileiros estão nos museus de Rio, São Paulo e outras capitais, os grande fotógrafos brasileiros merecem estar em um grande museu em Brasília. O Museu da Fotografia Brasileira é uma idéia que dá continuidade à marca de pioneirismo presente desde a fundação da nova capital.
Há em Brasília, acervos fotográficos sobre a construção e primeiros anos da cidade, no Instituto Histórico e Geográfico, mo Museu da Imprensa Nacional e particulares que foi passado do pai ; o fotógrafo ; para filhos. Isso lhe interessa?
Claro que interessa, mas é preciso saber em que condições estas coleções estão armazenadas e classificadas. Coleções bem conservadas devem ser respeitadas. Nossa preocupação primária deve ser a conservação. Em seguida podemos desenvolver convênios e parcerias para exposições temporárias, sazonais e permanentes. Quando faço alguma pesquisa sobre documentação iconográfica, muitas vezes me deparo com precariedade de organização e classificação dos arquivos fotográficos. Hoje, as grandes coleções estão em sua maioria guardadas por instituições particulares no eixo Rio/São Paulo. Instituições que contribuem enormemente, porque não dizer decisivamente, para a conservação e valorização dessas coleções. O projeto do Museu da Fotografia Brasileira foi motivado pela qualidade e a antiguidade da história da fotografia no Brasil. E pela constatação de haver em todo o país apenas um museu, na cidade de Curitiba, dedicado a essa arte que transformou a pintura e inspirou o surgimento do cinema e da televisão. É importante discutir a viabilidade de ter copias sem que seja perdida a aura do artefato fotográfico. Mas essa é uma discussão filosófica que deve inaugurar os estudos preliminares para a realização do projeto.