Durante uma entrevista, ela se comparou à sabra, fruto de cacto comum em Israel: espinhosa e angulosa por fora, doce de enjoar por dentro da casca. Autoanálises à parte, Dina Sfat carregou consigo esse traço de mulher do deserto, que vira a vida do avesso. De família judia, nascida em São Paulo, ela rompeu com as expectativas ao trilhar caminhos inesperados. Deixou a tradição de lado para tornar-se uma das atrizes mais admiradas e carismáticas do Brasil, além de artista com forte verve intelectual, engajada nas causas pertinentes a seu tempo e com senso de cidadania. Essa história tortuosa foi escolhida para encerrar o projeto Mitos do Teatro Brasileiro hoje, às 20h, no teatro do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), com entrada franca.
;É importante incluí-la entre os mitos do teatro, porque a maioria das pessoas a associa às novelas;, destaca J. Abreu, ator e codiretor do projeto. As participações televisivas foram profícuas, mas a dedicação ao teatro não ficou atrás. Ao longo da carreira, a atriz dedicou-se a clássicos da dramaturgia, como Mandrágora, de Maquiavel, Santo Inquérito, de Dias Gomes, e o grande sucesso Hedda Gabler, de Henrik Ibsen, além de integrar o elenco das duas maiores companhias de referência do teatro moderno no Brasil (Arena e Oficina).
No cinema, uma de suas personagens foi Cy, de Macunaíma, filme dirigido por Joaquim Pedro de Andrade com base na obra de Mario de Andrade. Tamanha versatilidade e capacidade de se desdobrar em vários papéis foi definida pela atriz Renata Sorrah como um ;star system;: ela conseguia atuar com maestria na tevê, no cinema e nos palcos. Dina Sfat morreu em março de 1989, em consequência de um câncer de mama. Tinha 50 anos.
Seguindo a dinâmica estabelecida nas homenagens anteriores, a noite terá a presença de convidados e projeções de material de arquivo, além de atores da cidade (J. Abreu e Juliana Drummond) em cenas inéditas inspiradas na vida de Dina, escritas pelo jornalista e dramaturgo Sérgio Maggio. Os amigos a prestar tributo à atriz nesta edição são Maria Alice Vergueiro e Ednei Giovenazzi.
Colega de Dina em novelas e nos palcos, Giovenazzi se encantou com a beleza, personalidade e força daquela novata nos palcos. ;Ela tinha um espírito revolucionário. Fiquei chapado. Suas técnicas gestual, vocal e sua medida eram perfeitas;, elogia ele, admitindo que atores não têm o hábito de enaltecer o trabalho dos colegas. ;Quando recebi o convite para ir a Brasília, vi a oportunidade de dizer todas as coisas que não disse a ela em vida;, afirma.
Giovenazzi se encantava com a performance da atriz na novela Selva de pedra, em que contracenaram. ;A minha personagem protegia a da Regina Duarte, e a dela maltratava. E como maltratava, com aquele olhar fulminante. Eu era artisticamente apaixonado por Dina;, revela.
Nos tempos de Teatro de Arena, a atriz aproximou-se de Maria Alice Vergueiro, outra diva do teatro, que esteve recentemente na cidade, com a peça As três velhas, e ressurgiu para o grande público com o vídeo Tapa na pantera, sucesso na internet. ;Ela tinha uma personalidade interessante. Não era dada a muito sectarismo, numa fase em que a cabeça da moçada era radical. Era, antes de tudo, uma artista, tinha muito talento e cantava muito bem;, elogia Maria Alice.
Enquanto Maria Alice se sentia tímida, cheia de pudores, a amiga era mais livre. ;Ela era mais Leila Diniz;, brinca. As afinidades entre as duas extrapolaram o espaço cênico. ;Às vezes, uma atriz é correta, faz tudo direitinho, mas sem aquele brilho. Em Arena conta Tiradentes e Arena conta Zumbi, ela brilhava em cena;, destaca.
Arena conta
Inspirados nessas obras do dramaturgo Augusto Boal (outro homenageado do projeto), Sérgio Maggio e J. Abreu criaram uma versão da montagem para compartilhar com o público passagens importantes da biografia da atriz. Arena conta Dina Sfat será um miniespetáculo, com duração aproximada de meia hora, e seis esquetes. O público, convidado a formar uma semiarena no palco, escolherá a ordem das cenas, que contam um pouco de tudo: a carreira, o casamento com o ator Paulo José (eles tiveram três filhas, Isabel, Ana e Clara), o feminismo, o enfrentamento à ditadura, a luta pela legalização do aborto.
As cenas seguintes trarão o diálogo da atriz com um crítico teatral, nos bastidores de Hedda Gabler, e ainda uma sequência em que seus pensamentos de natureza artística, política e pessoal serão pendurados em uma árvore. Na pele de Dina, estará a atriz Juliana Drummond. ;Ela fez essa fusão entre a atriz e a mulher cidadã para falar sobre questões importantes. É uma honra ser canal e instrumento para essa homenagem;, reconhece ela.
A menina judia, que começou a vida profissional em um laboratório de análises clínicas ; e, no auge da fama, desistiu do horário nobre para se dedicar à ribalta ; também será lembrada em vídeos. Um deles, raridade, mostra Dina mocinha, em um programa de tevê. ;Ela começou querendo ser atriz famosa, nos moldes de Hollywood. Mas, no Teatro de Arena, incorporou o discurso de que o papel do artista é também social, e isso mudou sua vida;, frisa J. Abreu. Vida que, com a ousadia do talento e a solidez do solo desértico, Dina Sfat virou do avesso.
O encerramento
Foram dois anos de tributos, com 12 encontros cada, risos, lágrimas e sucessivas declarações de amor ao teatro. Em 2010, os holofotes do Mitos do Teatro Brasileiros se voltaram para artistas da primeira metade do século passado. Em 2011, foi a vez de quem se destacou nos 50 anos seguintes. Os eventos, realizados em noites de terça-feira, no Centro Cultural Banco do Brasil, homenagearam Dulcina de Moraes, Dercy Gonçalves, Procópio Ferreira, Cacilda Becker, Nelson Rodrigues, Chico Anysio, Maria Clara Machado, Plínio Marcos, Paulo Autran, Lélia Abramo e Augusto Boal. ;Veremos outros editais para dar continuidade ao projeto. A memória do teatro merece e ainda há muita gente para homenagear;, relata J. Abreu.
MITOS DO TEATRO BRASILEIRO ; DINA SFAT
Hoje, às 20h, no teatro do Centro Cultural Banco do Brasil (SCES, Trecho 2, Lote 22 ; 3108-7600). Participação de Ednei Giovenazzi e Maria Alice Vergueiro. Com J. Abreu e Juliana Drummond. Entrada franca, com retirada de senhas, distribuídas com uma hora de antecedência. Não recomendado para menores de 12 anos.
Confira video com Dina Sfat: