Diversão e Arte

Livros de crônicas e contos contam histórias de viagens surreais

postado em 29/11/2011 08:58

No livro de crônicas O cavaleiro andante ; Do Pacífico ao Mar Egeu, viagens mundo afora, Jacinto Guerra conta histórias de lugares por onde passou ao longo da fase adulta. Com lançamento hoje, no restaurante Carpe Diem, a obra é a 11; publicação do escritor e jornalista mineiro radicado em Brasília.

Aos 76 anos, Jacinto Guerra fez um trabalho de expressão sensorial: olhos, ouvidos e nariz inspiraram-no a contar histórias sobre estradas de ferro, jardins e edifícios turísticos. ;A ideia de viajar de Paracatu ou Bom Despacho para Manaus, Atenas ou Lisboa veio naturalmente, para que a viagem literária fosse mais surpreendente, partindo para destinos muito diferentes do nosso lugar de origem;, diz o autor, que é bom-despachense e intitulou o livro com o nome do poema de Antero de Quental.

Segundo ele, sair de uma cidade com 45 mil habitantes o influenciou na forma de enxergar e escrever sobre o mundo, recheado de histórias em cada esquina. ;Bom Despacho está voltada para o mundo como aquela aldeia de Portugal, de onde Fernando Pessoa contempla o universo;, reflete. Autor de biografias, ensaios e contos, Jacinto Guerra começou sua trajetória literária em 1985, numa homenagem à cidade natal em forma de crônica, ;A lenda de Bom Despacho;.

Para crianças de 8 a 80
Surreais também são as histórias contadas pelo marinheiro aposentado Severino Novaci Lula. Em seu segundo livro, Pinote & outras histórias, lançado na última quinta-feira pela editora Thesaurus, o autor de 81 anos buscou inspiração na própria infância para escrever para ;crianças de 8 a 80 anos;.

São 20 pequenos contos divididos em dois temas principais. A primeira parte, apoiada na preservação do meio ambiente, pretende humanizar os animais em pequenas histórias de leitura simples. Na segunda, o limite do infantil ou adulto é transcendido por fatos do cotidiano de pessoas que passaram pela vida de Novaci. ;A pessoa que escreve se reporta ao passado para dar uma outra perspectiva do que pode ser o presente e o futuro;, comenta.

Os personagens, de uma forma ou de outra, representam a preocupação do autor com o meio ambiente e a educação ; a exemplo do esquilo falante Pinote, que aparece em cinco contos e dá nome ao novo livro. Já no primeiro, Operação arco-íris ; Não estamos sós (2001), Novaci viaja ao espaço sideral para encontrar explicações para o comportamento egoísta do homem.

Leia trecho do livro Pinote & outras histórias, de Severino Novaci:


O peixo do rio Pinheiros

A loja de pesca e material esportivo acabara de abrir as suas portas pontualmente às oito horas da manhã. O gerente ainda estava concatenando as suas ideias para iniciar um novo dia de trabalho, quando abruptamente entrou correndo no estabelecimento em direção ao balcão o Zeca, menino aparentando ter uns dez anos de idade. Com os olhos arregalados, boné atravessado na cabeça, uma vara de pescar na mão e um sorriso nos lábios, foi logo perguntando para a primeira pessoa que encontrou - o Dagoberto, gerente da loja:
- Tem anzol?
- Tem! - respondeu o gerente meio incrédulo.
- Quero um, deste tamanho, quanto custa? - retrucou Zeca delimitando o tamanho do anzol com os dedos polegar e indicador.
- Para que você quer um anzol deste tamanho?
- Para pegar um peixe no rio Pinheiros! Ué! Quanto custa o anzol? - interrogou o menino, com intranquilidade.
- Um anzol deste tamanho custa cinquenta centavos. - respondeu Dagoberto e, com a experiência de velho pescador dos rios do interior do estado, foi logo aconselhando - Menino, os rios Tietê e Pinheiros são para a cidade de São Paulo como as artérias do corpo humano, dão vida. Quando eu tinha a sua idade pesquei e tomei muitos banhos naqueles rios. Hoje, no rio Pinheiros só irá pescar lata de cerveja vazia, sapato velho e garrafa plástica boiando, jogados dentro d;água. O rio está poluído.
- Senhor, despoluíram os rios que cruzam a cidade de São Paulo em homenagem aos seus quatrocentos e cinquenta anos de fundação. O senhor não sabia, ué?! Dê-me o anzol, não posso perder tempo, o peixe está lá! - e com impaciência, Zeca jogou uma moeda de cinquanta centavos sobre o balcão em pagamento do tão almejado anzol.
- Toma lá, menino! Se pescar um peixe naquele rio poluído, ganhará um troféu! - aludiu o gerente, com desdém.
Zeca apanhou o anzol, saiu correndo porta afora em direção a rua e desaparaceu. O senhor Dagoberto continuou atendendo os clientes que iam entrando na loja. Passados alguns minutos, o pequeno pescador adentrou a loja, carregando no ombro um peixe que estava ainda se mexendo, era um belo surubim de grande porte. Zeca alegremente anunciava, aos gritos:
- Peguei... Peguei! Quero meu troféu!
As pessoas que se econtravam na loja ficaram paralisadas com aquela cena. O Dagoberto, quando viu o lindo peixe, deu um soco no ar em comemoração e em voz alta exclamou:
- Despoluíram o rio Pinheiros! Despoluíram o rio Pinheiros... Viva São Pauuulo...
Ele acordou com a esposa sacudindo-o e dizendo:
- Acorda, Dagoberto... Acorda, Dagoberto... Você está tendo um pesadelo!
Com os olhos arregalados e ainda meio sonâmbulo,Dagoberto balbuciou:
- É... foi um sonho... Um lindo sonho...

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