postado em 04/12/2011 08:00
Em 1959, o polonês Zygmut Matys, morando em Florianópolis, descreveu, em letra datilografada, a qualidade de seus serviços como mecânico e soldador. O senhor Matys informava que havia aprendido os ofícios em seu país e gostaria de colocá-los em prática na construção da nova capital. O pedido de um garoto baiano de 11 anos, então estudante do 1; ginasial, era mais simples. Antonio Pereira de Matos Júnior apenas gostaria de receber postais com os monumentos de Brasília para enviar a amigos de Buenos Aires, com quem se correspondia pelos correios.Não se sabe se o pedido de Antonio foi atendido ou se o senhor Matys realmente trabalhou por aqui. Vindas de lugares extremos do Brasil, as duas mensagens endereçadas ao presidente Juscelino Kubitschek foram finalmente eternizadas no livro Brasília em 51 cartas, da pesquisadora e professora universitária Ivany Câmara Neiva. A publicação será lançada no dia 15, às 19h, na Livraria Dom Quixote (CCBB).
Os dois pedidos são fragmentos íntimos da história da construção da cidade fincada no meio do Planalto Central e inaugurada em 1960. ;Eu convivi muito com a geração dos meus avós e eles escreviam muitas cartas. Eles participaram de uma comissão que veio encontrar o lugar para construir a capital. As histórias sobre a construção da cidade e as cartas que eles enviavam deram origem a esse projeto;, descreve Ivany.
Ainda na barriga da mãe, a pesquisadora foi destinatária de várias cartas enviadas por sua avó, Guiomar de Arruda Neiva, mandando notícias do interior de Goiás. ;Queridíssima Ivany, ontem viajamos o dia inteiro. Saímos de Goiânia pelas 9 e pouco, paramos em Anápolis para almoçar e viemos a Planaltina numa estrada boazinha, através de cerrados, capoeiras, carrascais, etc. De vez em quando um regatinho atravessa a estrada. Chegamos aqui já noite. Um dia inteiro de automóvel cansa bastante. É verdade que a gente vai se lembrado de outros, os da comissão Cruls, que andaram tudo isso a cavalo, e vai suportando;, escreveu sobre as condições de viagem da Comissão Polly Coelho, em setembro de 1947.
Matéria-prima
O livro é divido em três tempos. Cinco cartas narram o período anterior à construção, depois são 41 mensagens de trabalhadores e mais cinco de Brasília nos anos 2000. Correspondências pessoais e as disponíveis para pesquisa no Arquivo Público do Distrito Federal foram a matéria-prima para o livro. ;A curiosidade era saber o que as pessoas mais simples pensavam da construção da capital. O que era Brasília no imaginário delas?;, indaga.
Apenas um remetente é uma pessoa ilustre, bem conhecida dos brasileiros. Em um bilhete, o arquiteto Oscar Niemeyer presta contas do andamento dos trabalhos no Palácio do Planalto para o presidente JK. ;O interesse era na história não oficial. Não é a epopeia da construção, mas o cotidiano das pessoas. Algumas a gente nem sabe se vieram realmente ou não;, diz a professora. Em cada carta, reside o desejo por um Brasil mais moderno ou simplesmente a esperança de poder fazer parte do nascimento da nova capital. Em bilhetes escritos por crianças, aparecem vontades mais prosaicas. ;É claro que o presidente não lia tudo. Me disseram que ele tinha um prazer especial em ler as mensagens enviadas pelas crianças. Ele ria muito com elas;, revela a autora do livro.
Ivany tem feito oficinas pontuais para instigar as pessoas a escreverem cartas. Cada participante recebe um exemplar do livro de presente. A professora de 63 anos, amante de caligrafias, não tem exatamente preconceito contra as mensagens eletrônicas. O último paradigma tecnológico que ela mantém deverá ser quebrado em breve. A autora prometeu criar um perfil na rede social Facebook até o fim do ano. Já os que identificarem os autores das correspondências podem mandar um e-mail para brasilia51cartas@gmail.com. Ivany responde.
Trechos
; ;As obras do governo de Vossa Excelência são uma bofetada sonora no rosto dos zoilos ladradofes, ;referência de Nabuco, formulada contra críticos dos Lusíadas. O pálio protetor da providência reservou para o governo benemérito de Vossa Excelência tantas glórias que seria impossível adnumerá-las;
Jeronymo Leal Castro para Juscelino Kubitschek, em 3 de fevereiro de 1960
; ;Brasília é uma cidade que nunca vai terminar. É uma cidade no meio. Estará sempre no meio do Brasil e da América Latina, no entre-sertão, e no meio do caminho. Você não faz ideia de como é isso aqui. O cerrado, isto é, o selvagem, se mistura com o plantado, isto é, o domesticado; Os homens dizendo construir uma cidade construíram um imenso jardim. Mistic garden.;
Gustavo de Castro para Irina, em 21 de junho de 2011