postado em 05/12/2011 08:05
Duas biografias se cruzaram no disco Chato-boy, lançado virtualmente no endereço www.secosemolhados.com.br em 11 de novembro (a data marcada pelo número 11-11-11 ganhou contornos místicos no mundo). A história do compositor e vocalista João Ricardo é mais extensa. Nascido em Portugal, aportou no Brasil em 1964. Ajudou a fundar o lendário Secos & Molhados, na década de 1970. O grupo foi um sucesso de vendas do disco homônimo. O primeiro LP do trio fez a marca de 700 mil cópias vendidas em 1973 e gravou um lugar cativo na história da indústria fonográfica brasileira. A formação original foi dissolvida no ano seguinte. A partir de 1974, ele passou a bancar o Secos, trocando de parcerias. Aí entra a história do exímio multi-instrumentista Daniel Iasbeck, guitarrista da banda Exxótica e responsável pela parte musical deste disco comemorativo dos 40 anos dos Secos. Antes, é preciso explicar sobre o que é Chato-boy. O disco é formado por poesia escrita e declamada por Ricardo e casada com os acordes criados por Iasbeck. ;É o meu histórico mesmo. Começa na minha infância, num processo pessoal. Não acho que as pessoas vão entender tudo. É mais ou menos como um quadro. Às vezes, na pintura, a gente não consegue racionalizar sobre o que se está vendo;, resume o veterano sobre as milhões de interpretações possíveis a respeito da poesia.
Parceria
Iasbeck estava sozinho, no estúdio de casa, compondo e tocando todos os instrumentos. Depois, juntava os sons no computador pessoal e tentava dar forma a expressão pessoal represada. A sonoridade que ele resgata é de rock progressivo, como o dos britânicos Yes e dos brasileiros Mutantes. ;Em 2011, parei tudo que fazia para gravar minhas músicas. É como se fosse uma biografia musical. Fiz com mais verdade do que antes, sem pretensão de colocar voz. Mostrei as músicas para o Ricardo e ele teve a sacada de que encaixaria na história dele;, recorda o instrumentista.
Não existem concessões mainstream no projeto. Chato-boy é um objeto íntimo, indecifrável. Por vezes, impenetrável e reafirma a parceria Ricardo-Iasbeck nascida com o álbum Puto, lançado no ano passado. ;Daniel Iasbeck tem me estimulado muito a escrever novas músicas. A nossa parceria não tem idade e está dando muito certo. Estamos funcionando muito bem juntos. Fiz uma coisa completamente diferente do que ia fazer, de uma forma tão radical. Ouvi a música dele e casou com perfeição com a poesia que eu escrevia;, destacou o veterano.
Um dos representantes da época de ouro da indústria fonográfica, Ricardo não demonstra sentir saudades do vinil, mas, sim, do conceito em torno de uma obra musical. ;Todos os discos que gosto são conceituais. Estou me ressentindo disso. O vinil acabou, o CD está acabando. Não sei como será o novo formato de lançamento de músicas. Colocamos o disco à disposição de quem quiser ouvir. Mesmo assim, já recebi vários pedidos do disco físico. Tem gente que ainda quer segurá-lo na mão, dizendo que não gosta de download.;
Memória // Toda nudez era provocativa
Existem várias revoluções relacionadas ao aparecimento dos Secos & Molhados na década de 1970 no Brasil. João Ricardo (vocais, violão e harmônica), Ney Matogrosso (vocais) e Gérson Conrad (vocais e violão) usavam figurinos provocativos e subiam ao palco com os rostos pintados. Ney exibia o dorso nu e rebolava de maneira provocativa. Era a época da ditadura militar e da revolução sexual iniciada nos anos 1960. Na verdade uma época em que homens não podiam se vestir como mulheres, exceto no carnaval.
A segunda revolução foi uma chacoalhada daquelas no mercado fonográfico brasileiro. O primeiro LP, batizado simplesmente como Secos & Molhados que aqueles homens de saia produziram vendeu mais de 700 mil cópias, guiado pelos sucessos O vira, Assim assado, Sangue latino e Rosa de Hiroshima. Fez muito sucesso, inclusive, entre o público infantil. A capa do disco, a ceia montada com os crânios dos integrantes é uma das mais lembradas até hoje. O barulho criado em torno do Secos é apontado como motivo para a separação dos integrantes por conta de desentendimentos financeiros um ano depois do estouro do grupo.
João Ricardo continua tocando o grupo, mantendo parcerias variadas. Depois da saída dos outros integrantes foram lançados os discos Secos e Molhados II (1974), Secos & Molhados III (1978), Secos e Molhados IV (1980), A volta do gato preto (1988), Teatro? (1999) e Memória velha (2000). Ney Matogrosso lançou 31 discos na carreira solo. Também foi iluminador, ator e diretor de teatro. É um dos principais intérpretes do Brasil até hoje. Conrad lançou dois disco solo Gérson Conrad e Zezé Motta (1975) e Rosto marcado (1981), sem alcançar um grande ucesso.