Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Roberto Klotz lança hoje, no Carpe Diem, livro de contos bem-humorados

Em seu terceiro livro, Cara de crachá (lançamento independente, com apoio do Fundo de Apoio à Cultura), o ex-engenheiro civil Robert Klotz está pouco interessado em definir as histórias como contos de ficção ou crônicas inspiradas no cotidiano. É, talvez, resultado de uma soma das duas coisas. ;Existe uma propensão acadêmica a conferir alguns rótulos ou gêneros.

Não estou interessado nos termos ; desde que eles chamem para o conteúdo;, avisa o paulista, que vive em Brasília desde em 1972 e publicou, em 2009, as antologias Pepino e farofa (LGE) e Quase pisei! (independente). Ele lança a nova coletânea de 44 narrativas curtas hoje, às 19h, no Carpe Diem (104 Sul).

Desde que largou a engenharia, em 2002, e descobriu o talento para a escrita, já no ano seguinte, Klotz se diz realizado. E acredita que é possível, sim, viver de literatura. A dica que ele dá: além de produzir bastante, o escritor precisa sair às ruas e se promover. ;Sou autor e também promotor de mim mesmo. Marqueteiro, não;, diz ele, às risadas.

Ler e rir
No bem-humorado Cara de crachá, o personagem central é tipicamente brasiliense: um funcionário público. Mas Klotz se vale de caricaturas para guiá-lo pelas histórias. Von Silva, o protagonista cujo emprego parece estar estampado em suas feições, é um sujeito meio ;caxias;: se o colega do lado prefere falar banalidades em vez de temas relevantes, ele reclama, chia e entabula conversas sobre assuntos que considera sérios. E, claro, os 35 anos de carreira permitem certa flexibilidade, como se dar o direito de protelar tarefas. ;Ele defende a cidade e também é produto do meio em que vive. Fiel à repartição. É empenhado em fazer um bom trabalho, mas dá as suas alfinetadas no chefe;, analisa o criador.

Descendente de alemães como Klotz, von Silva carrega pompa de nobreza. ;O von;, ele explica, num dos primeiros contos, ;é aristocrata, como a Imperatriz Leopoldina, cujo nome era Maria Leopoldina Josefa Carolina von Habsburg;. Ele cita ainda o primeiro presidente do Brasil, Marechal Deodoro da ;von; Seca. E a piada continua: ;Na cabeça da juventude talvez esteja o mais conhecido da atualidade: o von de Ouvido;. ;O barato é nunca tentar fazer uma coisa que você não é. O funcionário público faz parte da nossa realidade. Na literatura, temos a chance de mexer com essas coisas do cotidiano, de falar coisas que fazem parte da vida das pessoas daqui;, explica o autor.

Entre um parágrafo e outro, Klotz insere pequenas imagens, feitas à mão e depois digitalizadas no computador. Nos agradecimentos, aliás, ele menciona a ajuda dele próprio: ;Ao Roberto Klotz, que rabiscou as toscas figuras, evitando pagar direitos autorais;. Mesmo evitando a sisudez, ele desfia um exame da burocracia. Nas mãos do paulista-brasiliense, o corporativismo público soa como uma versão muito particular de um episódio do seriado norte-americano The office: cômico até quando a coisa é séria.

CARA DE CRACHÁ
De Roberto Klotz. Produção independente, com apoio do FAC, 160 páginas. R$ 28. O lançamento é hoje, às 19h, no Carpe Diem (104 Sul).

Trechos

; Paris

;Minha tarefa diária de apontar todos os lápis é das mais importantes. Apesar do moderno apontador, faço questão de mostrar a arte, esculpindo as pontas com meu canivete vermelho. Os lápis têm a majestosa função de escrever petições, redigir ofícios, anotar depoimentos, rascunhar despachos e limpar orelhas. Minha segunda tarefa é colocar o jornal sobre a escrivaninha do chefe. Os jornais devem chegar donzelos. Intactos. Responsável que sou, sempre chego antes do chefe pelo menos umas duas ou três horas para dar conta dos meus árduos e rotineiros deveres.

Nesta quarta-feira, li, pelo menos, a manchete do jornal. E mais um pouquinho. Estava tão cedo. Política, internacional, esportes, cultura. Lá no caderno de turismo anunciavam passagens para Paris. Mon Diê. Doze vezes, e ainda assim tá caro!”

; Dia de cão

;Acordo atrasado. Falta energia e o despertador não tocou ; o despertador sempre é réu, tocando ou não. Levanto apressado e faço a barba. Gilete cega e pressa sempre produzem lembranças sangrentas na face. Vou para o banho. Céus, oh céus! Odeio água gelada! Tirar o sabonete dos braços e pernas tudo bem. E o cabelo? E a barriga? Como nossos avós viviam sem água quente? Toda vez é a mesma coisa, quando tenho reunião importante pela frente: a minha camisa azul não está passada! Passado tô eu! Mas que droga!”