Diversão e Arte

Roberto Klotz lança hoje, no Carpe Diem, livro de contos bem-humorados

postado em 06/12/2011 09:11

Paulista residente em Brasília desde 1972, Klotz retrata em tom caricatural um personagem típico da cida

Em seu terceiro livro, Cara de crachá (lançamento independente, com apoio do Fundo de Apoio à Cultura), o ex-engenheiro civil Robert Klotz está pouco interessado em definir as histórias como contos de ficção ou crônicas inspiradas no cotidiano. É, talvez, resultado de uma soma das duas coisas. ;Existe uma propensão acadêmica a conferir alguns rótulos ou gêneros.

Não estou interessado nos termos ; desde que eles chamem para o conteúdo;, avisa o paulista, que vive em Brasília desde em 1972 e publicou, em 2009, as antologias Pepino e farofa (LGE) e Quase pisei! (independente). Ele lança a nova coletânea de 44 narrativas curtas hoje, às 19h, no Carpe Diem (104 Sul).

Desde que largou a engenharia, em 2002, e descobriu o talento para a escrita, já no ano seguinte, Klotz se diz realizado. E acredita que é possível, sim, viver de literatura. A dica que ele dá: além de produzir bastante, o escritor precisa sair às ruas e se promover. ;Sou autor e também promotor de mim mesmo. Marqueteiro, não;, diz ele, às risadas.

Ler e rir
No bem-humorado Cara de crachá, o personagem central é tipicamente brasiliense: um funcionário público. Mas Klotz se vale de caricaturas para guiá-lo pelas histórias. Von Silva, o protagonista cujo emprego parece estar estampado em suas feições, é um sujeito meio ;caxias;: se o colega do lado prefere falar banalidades em vez de temas relevantes, ele reclama, chia e entabula conversas sobre assuntos que considera sérios. E, claro, os 35 anos de carreira permitem certa flexibilidade, como se dar o direito de protelar tarefas. ;Ele defende a cidade e também é produto do meio em que vive. Fiel à repartição. É empenhado em fazer um bom trabalho, mas dá as suas alfinetadas no chefe;, analisa o criador.

Descendente de alemães como Klotz, von Silva carrega pompa de nobreza. ;O von;, ele explica, num dos primeiros contos, ;é aristocrata, como a Imperatriz Leopoldina, cujo nome era Maria Leopoldina Josefa Carolina von Habsburg;. Ele cita ainda o primeiro presidente do Brasil, Marechal Deodoro da ;von; Seca. E a piada continua: ;Na cabeça da juventude talvez esteja o mais conhecido da atualidade: o von de Ouvido;. ;O barato é nunca tentar fazer uma coisa que você não é. O funcionário público faz parte da nossa realidade. Na literatura, temos a chance de mexer com essas coisas do cotidiano, de falar coisas que fazem parte da vida das pessoas daqui;, explica o autor.

Entre um parágrafo e outro, Klotz insere pequenas imagens, feitas à mão e depois digitalizadas no computador. Nos agradecimentos, aliás, ele menciona a ajuda dele próprio: ;Ao Roberto Klotz, que rabiscou as toscas figuras, evitando pagar direitos autorais;. Mesmo evitando a sisudez, ele desfia um exame da burocracia. Nas mãos do paulista-brasiliense, o corporativismo público soa como uma versão muito particular de um episódio do seriado norte-americano The office: cômico até quando a coisa é séria.

CARA DE CRACHÁ
De Roberto Klotz. Produção independente, com apoio do FAC, 160 páginas. R$ 28. O lançamento é hoje, às 19h, no Carpe Diem (104 Sul).

Trechos

; Paris

;Minha tarefa diária de apontar todos os lápis é das mais importantes. Apesar do moderno apontador, faço questão de mostrar a arte, esculpindo as pontas com meu canivete vermelho. Os lápis têm a majestosa função de escrever petições, redigir ofícios, anotar depoimentos, rascunhar despachos e limpar orelhas. Minha segunda tarefa é colocar o jornal sobre a escrivaninha do chefe. Os jornais devem chegar donzelos. Intactos. Responsável que sou, sempre chego antes do chefe pelo menos umas duas ou três horas para dar conta dos meus árduos e rotineiros deveres.

Nesta quarta-feira, li, pelo menos, a manchete do jornal. E mais um pouquinho. Estava tão cedo. Política, internacional, esportes, cultura. Lá no caderno de turismo anunciavam passagens para Paris. Mon Diê. Doze vezes, e ainda assim tá caro!”

; Dia de cão

;Acordo atrasado. Falta energia e o despertador não tocou ; o despertador sempre é réu, tocando ou não. Levanto apressado e faço a barba. Gilete cega e pressa sempre produzem lembranças sangrentas na face. Vou para o banho. Céus, oh céus! Odeio água gelada! Tirar o sabonete dos braços e pernas tudo bem. E o cabelo? E a barriga? Como nossos avós viviam sem água quente? Toda vez é a mesma coisa, quando tenho reunião importante pela frente: a minha camisa azul não está passada! Passado tô eu! Mas que droga!”

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