Diversão e Arte

Mundo Livre S/A, Lirinha e China reafirmam a força da cena musical de PE

postado em 09/12/2011 11:30

Ninguém entendeu a provocação de Fred 04 quando, em meados de 2008, o vocalista do Mundo Livre S/A adentrou o estúdio de gravação com uma cópia do disco Trans, de Neil Young. A tarefa, naquele dia, era registrar uma versão para Deixe a vergonha de lado, um ;standard; cafona de Odair José. Mas o compositor tinha uma ideia estranha na cabeça. ;A referência vai ser esta música aqui, Computer age;, orientou Fred. Criou-se, assim, uma conexão entre um dos mentores do movimento manguebeat (deflagrado nos anos 1990) e um álbum maldito, ainda incompreendido por meio mundo pop. O disco ;sintético; de Young, lançado em 1982, se tornaria um farol para as próximas mutações do grupo. E, de alguma forma, contamina o organismo de Novas lendas da etnia Toshi Babaa, o novo CD dos pernambucanos.

;Trans foi execrado na época do lançamento porque juntava um lance punk meio tosco com a eletrônica. Soava totalmente esdrúxulo. E é isso que o Mundo Livre sempre tentou criar, as conexões musicais mais improváveis;, explica o músico.

A comparação entrega as pistas para que o ouvinte não se perca completamente dentro da vegetação de Toshi Babaa, um álbum que vai do pop facinho à psicodelia mais siderada. É um disco de paradoxos, a começar pela forma como foi produzido. No encarte, salta aos olhos a participação de Dudu Marote, um dos produtores mais bem-sucedidos do país (de sucessos como O samba Poconé, do Skank), e um craque da publicidade.

;Não sei se Dudu nos influenciou tanto assim. Foi uma coisa muito efêmera;, pondera Fred, que conheceu Marote durante a regravação da música Meu esquema para um comercial de tevê. ;O disco deve ter consumido umas 300 horas de estúdio, ou mais. E esse trabalho coletivo com o Dudu se resumiu a três sessões;, conta. Apenas duas músicas ; Nenhum cristão na Via Láctea e Tua carne Black Label ; têm marcas do produtor. ;A relação de respeito era muito evidente. Eu deixava muito claro os limites do processo;, conta Fred, que é acompanhado por Xef Tony (bateria), Areia (baixo), Léo D (teclado e programações) e Tom Rocha (percussão).

Na pista
Uma das afinidades entre autor e produtor é a afeição pelas pistas de dança, que já aparecia (ainda que não de forma tão explícita) nos discos anteriores dos ;mangueboys;. ;Nosso encanto pela tecnologia já vem de muito tempo. Quando a gente foi gravar Samba esquema noise (1994), eu nem sabia o que era um moog (sintetizador). É claro que o interesse na cultura digital e no pop nos uniu ao Dudu;, explica. O encontro rápido, no entanto, destoou do clima vagaroso das gravações de Toshi Babaa, que levou três anos para ficar pronto, bancado pela própria banda. O disco anterior com canções inéditas, descontado o EP Bêbadogroove (2005), havia sido lançado há sete anos: o político, ;cabeçudo; O outro mundo de Manuela Rosário.

;A gente poderia ter lançado disco em 2009;, admite Fred. ;Mas, quando começamos o processo todo, descobrimos a desconstrução de todo um modelo de produção. Foi como voltar para uma constelação diferente. Encontramos um outro planeta;, revela. Antes, a banda contava com o apoio financeiro de gravadoras para ir aos estúdios. Desta vez, teve que pagar pelo projeto inteiro, distribuído pelo selo Coqueiro Verde. ;O ponto positivo foi que tivemos tempo para testar as músicas em shows. Em comparação a Manuela Rosário, este é muito mais bem resolvido em termos de melodia, com músicas mais redondas;, avalia. Entre um CD de inéditas e outro, o grupo lançou a coletânea ;conceitual; Combat samba, que apresentou o mangue beat a um público novo.

Com participações de BNegão (em Constelação c.a.r.i.n.h.o.c.a) e Silvia Machete (em O varão e a fadinha), o disco trata de temas como sexo, religião e terrorismo (entre mil divagações) sem sisudez. Ou, nas palavras de Fred, com fuleiragem. O estilo da banda? Um ;trans-partido-alto com cheiro de ladeira da Olinda;, como avisa a banda na apresentação do disco. E com suingue que deve funcionar bem nos palcos, o verdadeiro ;canteiro de obras; do Mundo Livre S/A.

;A banda vive de shows. Fazemos 40, 50 apresentações por ano. Mas é bacana ver um disco ganhando corpo. Na reta final, quando você pensa o encarte, a capa, e o trabalho vai ganhando vida própria, é uma sensação incrível. Deve ser como o parto de uma mulher;, compara. O bebê-androide, enfim, nasceu.



NOVAS LENDAS DA ETNIA TOSHI BABAA
Sexto disco do Mundo Livre S/A, com produção de Mundo Livre S/A, Léo D, Carlos Eduardo Miranda e Dudu Marote. Lançamento Coqueiro Verde, 11 faixas. Preço médio: R$ 25. ****

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