Foi em um apartamento da 308 Sul que o então funcionário da Câmara dos Deputados teve a ideia de criar a primeira galeria de arte de Brasília. Naqueles meados da década de 1960, as exposições de artes plásticas contavam apenas com um endereço: uma galeria improvisada no Hotel Nacional, em um espaço cedido pelos donos de uma loja de móveis. Oscar Seraphico, um carioca funcionário do Banco do Brasil requisitado por Tancredo Neves para trabalhar no Congresso Nacional, pensou que podia fazer uma experiência na vasta sala do apartamento da Asa Sul. Mostrou a própria coleção. Para a segunda experiência, ocupou o espaço no Hotel Nacional com uma exposição de Carlos Bracher e sentiu o quanto a cidade demandava por artes plásticas. “Brasília não tinha nada”, lembra o galerista.
As pinturas de Bracher acabaram vendidas no primeiro dia da mostra. Seraphico se empolgou. Seguiu o conselho do amigo e gravurista Carlos Scliar e fez outras exposições. Trouxe gravuras de Anna Letycia e esculturas de Franz Krajcberg. “Diziam que ninguém ia vender o Krajcberg em Brasília porque ninguém conhecia. A exposição foi toda vendida no salão do Hotel Nacional”, conta. Em 1967, já seguro do terreno, Seraphico decidiu que era hora de fazer algo mais sério e alugou um espaço no Gilberto Salomão. A Oscar Seraphico Galeria de Arte abriu as portas em 1967 com o propósito de incluir a capital recém-nascida no circuito do mercado de arte brasileiro.
Seraphico passou a viajar pelo Brasil para reunir obras dos artistas mais celebrados em capitais como São Paulo e Rio de Janeiro. Gostava especialmente dos japoneses de São Paulo — Tomie Ohtake, Manabu Mabe e Wakabayashi — e do Grupo Santa Helena, de Aldo Bonadei, Clóvis Graciano e Francisco Rebolo. “A galeria de arte ideal expõe os quadros do artista do momento, escolhe artistas de nível e vende. Naquela época, não tinha nada, basta dizer que quando apareceu gravura as pessoas não entendiam o que era. Arte no vidro, ninguém entendia. Fui educando as pessoas”, conta. “Só passei a vender gravuras depois que o Itamaraty veio para Brasília. Os diplomatas já entendiam e ajudaram a abrir um novo ramo.”
Talentos
O galerista também serviu de referência para jovens artistas e fonte para colecionadores. Luiz Carlos e Betty Bettiol foram apresentados à arte produzida naquele período pelas escolhas de Seraphico. “Nós tínhamos uma visão muito antiga da arte e ele tinha uma visão muito aguda para identificar talentos promissores nessa linha de pintura brasileira contemporânea”, lembra Bettiol. Muitos quadros da coleção do casal saíram da galeria do amigo carioca. “Ele era uma referência em matéria de comercialização de arte e ajudou muito nas dúvidas e hesitações quanto a comprar isso ou aquilo.”
O pintor Carlos Bracher atribui ao galerista boa parte da responsabilidade pelo encanto com a capital do país. “Ele fez minha primeira exposição em Brasília e foi uma coisa impressionante. Vendeu tudo. Eram paisagens de Ouro Preto e tive que voltar para Minas Gerais para fazer mais quadros”, conta o pintor, que anos depois resolveu retratar a cidade em uma série de 66 telas. Francisco Galeno também cultiva memórias curiosas das primeiras exposições do galerista, ainda no Hotel Nacional. “Eu tinha 19 anos e passava por lá era para descobrir as coisas, mas ele ficava meio desconfiado de mim.”
Galeno trabalhava no Banco Central e andava a pé pela cidade, mas Seraphico fazia cara feia quando o menino do cabelo enrolado entrava na galeria e pegava os catálogos da exposição oferecidos aos visitantes. “Uma vez, ele mandou o funcionário ir atrás de mim e tomar o catálogo. Quando comecei a pintar, levei um quadro para ele ver e ele me deixou lá, falando sozinho. Depois, quando ganhei os prêmios nos salões, ele quis expor meus quadros”, diz Galeno. “Mas não tenho mágoas. Vi exposições e Rebolo, Siron Franco, Cléber Gouveia, tudo para mim era novidade e a partir daquele momento comecei a me envolver com arte.”
Repertório
O artista Ralph Gehre também era adolescente quando a primeira galeria de Brasília foi inaugurada. O interesse do galerista era bem específico e um tanto conservador, já que não incluía a vanguarda de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Mira Schendel, mas era importante para formar o repertório dos futuros artistas da capital. “Ele foi muito importante porque representava um grupo significativo de artistas, ele representava o mercado e não existia mercado em Brasília. Trazia a melhor produção da hora”, conta Gehre, que se lembra do carioca carregando quadros e fixando pregos na parede. “Era um trabalhador.”
Nos anos 1990, Seraphico se desencantou com a cidade e com o mercado de arte local. Fechou a galeria, voltou para o Rio de Janeiro e tentou repetir a experiência em Ipanema. Durou pouco.
O mercado brasileiro cresceu e se tornou muito diferente dos anos 1960. “Aqui, no Rio, está mais difícil montar galeria. Tem poucas galerias e eles colocam artistas locais e com nome. Lançar artista, não consegue mais. Eu era muito exigente. Não entrava o que eu não achava bom”, lamenta Seraphico, que fechou a galeria carioca e não quer mais saber de vender obras de arte.