Diversão e Arte

Festival que mistura teatro popular com clássico se apresentará na Funarte

postado em 13/12/2011 11:23

Pedro Salustiano mostra as fusões entre clássico e contemporâneoMestre Salustiano chamava de ;teatro de terreiro; a brincadeira do Cavalo Marinho, uma antiga tradição realizada nos quintais de mestres populares, que conta com mais de 70 personagens ; entre seres humanos, animais e fantásticos. Para alguns pesquisadores, seria um tipo de versão brasileira da commedia dell;arte (teatro popular italiano, que segue um roteiro, mas com total liberdade de criação). O folguedo brasileiro provém dos reisados (danças profano-religiosas de origem portuguesa), que comemoram a véspera e o Dia de Reis. Apesar da origem, essa arte é bem nacional. ;É uma brincadeira contemporânea, feita no presente, pensando no futuro;, afirma Tico Magalhães, ator e organizador do Festival Brasileiro de Teatro de Terreiro, que ocorre na Funarte de hoje a domingo.

Os espetáculos contam com diversidade de gêneros artísticos, danças, músicas e poesia, indo do clássico ao popular. A entrada é franca e a abertura caberá ao Grupo Galpão, com a montagem Tio Vânia, às 21h, no Teatro Plínio Marcos. ;Diferentemente do teatro de rua ou de terreiro, é uma peça clássica, feita para o palco, exigindo menor participação do público;, compara Eduardo Moreira, ator e diretor do grupo.

De acordo com Tico, o evento busca valorizar o teatro brasileiro e discutir a fúria criativa da cultura que nasce espontaneamente nas comunidades. ;O nosso teatro popular costuma ser visto como algo perpetuado, mas é uma arte em constante transformação. Uma tradição com referências no passado, mas fincada no presente. Os acadêmicos explicam de onde vem cada elemento da nossa arte, mas nós temos uma escola brasileira. Nossos mestres são tão importantes quanto os grandes diretores internacionais;, acredita.

O teatro de terreiro serve para algo mais do que simples divertimento. Para o jovem artista, é uma forma de brincar com o mundo e tentar entendê-lo. ;As brincadeiras questionam, trazem reflexões e nos ensinam a dar valor ao que somos. A gente vira o mundo ao contrário, fazemos o oprimido brincar com o opressor, pois o teatro de terreiro é uma guerra simbólica;.

Tico interpreta o Capitão Sebastião do grupo folclórico brasiliense Seu Estrelo e o Fuá no Terreiro, que apresentará o espetáculo A roda (sábado, às 21h). A peça conta com 40 figuras que traçam uma saga candanga para provar ao povo a existência de o Calango Voador. No terreiro, a entrada do réptil alado pode levar até cinco horas para acontecer, mas como a peça será apresentada em tablado pela primeira vez, o grupo prepara-se com muitos ensaios diariamente. ;É uma novidade e uma experiência muito marcante. O teatro de terreiro é feito para durar uma noite inteira no quintal do mestre, começando às 8 horas da noite e terminando às 8 horas da manhã, mas no palco não temos esse tempo. Estamos levando o terreiro para dentro do teatro;, relata Tico.

Outra atração do festival mistura diversos estilos musicais e danças brasileiras. O intérprete multiartista Pedro Salustiano apresenta Samba no canavial (sexta, ás 20h), que promete uma alquimia de passos e ritmos. ;Essa apresentação é mais voltada para a dança e foi criada a partir do meu aprendizado nos terreiros. Danço o caboclinho no som da capoeira, o frevo no som do Cavalo Marinho, é uma viagem pelas danças populares brasileiras;, comenta o artista.

O grupo Lume, que também participa do festival, apresenta a peça Café com queijo (domingo, às 20h). Baseado em pesquisas realizadas desde 1993, em pequenos povoados, com populações ribeirinhas e indígenas, o espetáculo conta histórias sobre artes da conquista, trabalho, morte e aculturação, misturando música e poesia. ;Por não separarmos o palco da plateia, a peça estabelece uma relação de inclusão com o público muito semelhante à do Cavalo Marinho;, compara Jesser de Souza, ator-pesquisador do Lume.

Como nasce um mestre

Tio Vânia, do Grupo Galpão, abre o Festival Brasileiro de Teatro de Terreiro

Um brincante, como são chamados os participantes do Cavalo Marinho, torna-se mestre com o tempo. José Grimário da Silva, aprendiz de Mestre Salustiano, tomou conta do Cavalo Marinho de Mestre Batista quando este morreu. ;O brincante ganha o título quando ele entende todos os personagens para poder ensinar aos outros como brincar. Precisa ter a confiança de outro mestre, do qual foi aprendiz;, explica Mestre Grimário, como é mais conhecido. Aos 45 anos, ele é o mais jovem brincante a levar o título.

Tico Magalhães explica que, em geral, os mestres são pessoas de mais idade. ;Mas o conhecimento ultrapassa a técnica. Não é só aquela pessoa que te ensina a tocar, cantar e brincar. Eu posso aprender essas técnicas com outras pessoas. O mestre é quem te ensina a ver o mundo por meio de um brinquedo. É quem dá sentido à brincadeira;, opina Tico.

Pedro Salustiano diz que o título surge com a experiência. ;Os mestres de hoje começaram a dançar muito cedo. Com 7 anos de idade, já estavam no terreiro. O título vem do reconhecimento do povo e dos mais velhos;, afirma.

Programe-se

Hoje, às 21h
Grupo Galpão ; Tio Vânia
Peça escrita na transição entre os séculos 19 e 20 pelo dramaturgo russo Anton Tchekhov, Tio Vânia aborda a perda inevitável, a ilusão e a conseqüente obrigação do homem de enfrentar o futuro. Traz temas universais e contemporâneos como a paixão amorosa, o desejo e a preservação do meio ambiente. Duração: 120 min.

Amanhã, às 21h

Antônio Nóbrega ; Mátria
Apresenta desde elementos da tradição oral a obras autorais, como sambas de Nelson Cavaquinho e Cadeias, canções de Caymmi e do próprio Nóbrega. A aula-espetáculo conta com danças e peças instrumentais seguindo uma linha de tempo cultural brasileira e de extração popular. Duração: 75 min.

Quinta, às 21h

Mundu Rodá ; Donzela guerreira
Amor impossível, revelação tardia e saudade incomensurável são temas do espetáculo. A história narra os sentimentos e desejos de uma jovem que se disfarça de soldado e vai para o combate no lugar de seu velho pai. Ela se apaixona pelo capitão e coloca em prova seus princípios. Duração: 60min.

Sexta, às 20h

Pedro Salustiano ; Samba no canavial
O espetáculo do multiartista Pedro Salustiano tem dança de maracatu rural, caboclinho, frevo, cavalo-marinho, capoeira e coco. Os passos se misturam com diversos ritmos, compondo uma alquimia de danças e estilos musicais brasileiros. Duração: 50min

Sexta, às 21h

Cavalo Marinho Boi Pintado
A brincadeira popular integra dança, música e dramatização. A trama engloba poesia e ironias do cotidiano dos brincantes. O espetáculo impressiona pela riqueza e complexidade, envolvendo o público com improviso e criatividade. Duração: 120min

Sábado, às 20h

Mamulengo Zé Divina
Mestre Zé Divina brinca com personagens tradicionais do mamulengo pernambucano, tais como Simão de Lima Condessa, empregado da fazenda de Capitão Mané Almeida; Zango, o desventurado cidadão do mundo; um padre, de caráter nada confiável, entre muitos outros. Duração: 60min

Sábado, às 21h

Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro ; A roda
Na brincadeira, o real e o delírio se fundem com cantos e danças das encantadas e misteriosas criaturas do Cerrado. Duração: 120min.

Domingo, às 20h
Lume (SP) ; Café com queijo
Conversas e histórias compartilham com o público as vozes resgatadas da clandestinidade em andanças pelo interior do Brasil. Nessa delicada colcha de retalhos, criada a partir de pesquisas em pequenas comunidades, tudo tem cheiro e sabor. Duração: 80min.

* O Festival Teatro de Terreiro ocorre no Teatro Plínio Marcos, com entrada franca, e todas as peças têm classificação indicativa não recomendada para menores de 12 anos.

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