postado em 15/12/2011 08:00
Talvez você não ligue o nome à pessoa, mas tenha a sensação de já ter visto Dan Nakagawa em algum lugar. Sim, ele é ator e fez algumas novelas (Pé na jaca, Bang bang etc.). O que pouca gente sabe é que se trata de um ótimo cantor e compositor. Ney Matogrosso soube assim que o ouviu. Tanto que incluiu uma música dele, Um pouco de calor, no disco Inclassificáveis (2008). A faixa também era uma das 12 do CD de estreia do autor, O pequeno círculo, lançado pela Lua Music em 2005. E apesar das boas críticas que recebeu à época, Dan só agora, seis anos depois, lança o segundo álbum, o surpreendente O oposto de dizer adeus. O longo intervalo, ele explica, é porque sua relação com a arte é amadora ; e assim ele quer que seja por toda a vida. ;Não me sinto obrigado a compor ou a fazer discos. A música, pra mim, é apenas um veículo para comunicar. Fiquei muito tempo sem compor porque não tinha nada urgente a ser dito.; Nesse período, ele atuou em algumas novelas, compôs trilha para um grupo alemão de dança, viajou bastante. Quando teve algo a dizer, fez isso em 10 canções, escritas ao longo de quatro meses. ;Posso ficar anos sem encostar no violão e compor um disco inteiro em poucos meses. Quando tenho algo pra ser dito, entro em surto criativo, não durmo, não como, é horrível! (risos);
Paulistano, 36 anos, Dan Nakagawa é um cara cheio de referências, que cita filósofos como Heráclito e Nietzsche, mas está longe de ser pedante. A MPB dos anos 1970 ; Gal Costa, Caetano Veloso, Jorge Mautner, Secos & Molhados ; é influência forte, assim como Beatles e Stones, Janis Joplin e Jimi Hendrix; ;Tenho admiração por essa gente que sonhava com um mundo coletivo, que pregava o amor livre, que lutava contra o lado obscuro do ser humano. Cresci ouvindo tudo isso, fez parte da minha educação;, observa.
Da igreja ao Oficina
Dan montou sua primeira banda quando tinha 10 anos. Uma banda mesmo, com bateria, guitarra, violão, baixo e voz. ;Eu tocava uma guitarra vermelha que mal conseguia segurar (risos). A gente tocava Ultraje a Rigor, Milton Nascimento e Beatles. Já era metido;, brinca o cantor, que começou a compor aos 14. Em Nova York, onde morou por um tempo, um dia foi parar numa igrejinha nada turística no bairro do Harlem. ;Fiquei em estado de choque ao ver as pessoas cantando com aquela urgência e verdade. Chorei uma hora seguida;, conta ele, que acabou sendo convidado pelo diretor do coral a participar do grupo. ;No fundo, só fingia que cantava. Queria é estar ali do lado deles pra tentar pegar, por osmose, um pouco daquela verdade.;
A experiência artística mais importante, no entanto, foi o ano que passou no Teatro Oficina, com Zé Celso Martinez Corrêa. ;Acho o teatro libertador. Me sinto desconfortável, exposto, estranho, frágil, e isso é o que me instiga no trabalho de ator. Gosto de me colocar nesse estado;, comenta. ;No Oficina, me entendi como artista brasileiro. Nossa veia antropofágica, a vontade de ;provocar; alguma coisa no seu público, de fazer ao vivo e vivo, é uma sensação inexplicável de estar onde se deseja estar, de fazer o que se deseja fazer.;
À sua maneira ;amadora; de fazer o que bem quer, Dan Nakagawa criou, em esquema caseiro, um álbum ótimo ; que, na verdade, vai além do CD. O oposto de dizer adeus foi o ponto de partida para um coletivo que envolve site (www.dannakagawa.com.br), clipes (para todas as músicas), fotos e textos. ;Vi que o assunto do disco ; a expansão da primavera, a ligação entre as pessoas, a coletividade, a afirmação da vida contraditória etc. ; precisava ser levado a ferro e fogo;, justifica o compositor, que convidou amigos artistas plásticos, fotógrafos, atores, diretores e músicos para o projeto. Entre eles, os cantores Pélico, Tulipa Ruiz e Blubell. ;Foi um alvoroço, da noite para o dia estávamos todos trabalhando nisso.; Porque decidiu fazer algo maior (do que ele), o disco atrasou um ano. Mas veio melhor que a encomenda.
Três perguntas - Dan Nakagawa
Ney Matogrosso gravou uma música sua, vocês fizeram shows juntos também. Ele é uma referência importante pra você?
Tudo começou no Teatro Oficina, quando fizemos o primeiro show. Foi mágico! ;Era um gesto hippie, um desenho estranho;... Saímos tão eufóricos que, no fim, Ney disse: ;Vamos fazer mais e gravar um DVD!”. Logicamente, eu topei. Ney é referência pra mim em vários aspectos, primeiro por ser o artista visionário e desbundado que é, mas talvez a referência dele como homem íntegro seja a mais importante pra mim.
Por falar em influências, em seu trabalho há citações a Heráclito e Nietzsche; Você sempre se interessou por filosofia?
É uma curiosidade que tenho. Não sou um estudioso, mas leio uma coisa ou outra que me inspira bastante. Heráclito, por exemplo, é um filósofo pré-socrático que já tinha uma visão de mundo bastante oriental, de opostos complementares: o seco molha, o frio esquenta, o duro amolece e por aí vai... Também fala da ideia de a vida estar em constante transformação, apesar de sempre parecer a mesma ; ;nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos;, eu até uso isso numa música. Já o que me interessou em Nietzsche foi o mito do eterno retorno. Usei essa dúvida para afirmar a vida em O oposto de dizer adeus, do jeito mais misterioso que a vida me parece, às vezes com sentido e às vezes sem nenhum.
Pélico, Celso Sim, Tulipa Ruiz e Blubell participam do CD. De longe, pelo menos, a impressão que se tem dessa interessante cena paulistana é que ela funciona em turma, com discos gravados e shows montados com a ajuda dos amigos;
Esses são alguns dos meus amigos talentosos que admiro e que chamei pra participar do disco cantando, compondo, batendo palma (risos). Agora, eu não concordo com essa história de cena paulistana. Tem gente do Brasil todo fazendo música da mais alta qualidade. No meu disco mesmo, eu tenho uma parceria com o Nelo Johann, que é de Porto Alegre. Tem o Filipe Catto, que também é do Sul, tem a Karina Buhr, que é do Nordeste, tem o Momo, do Rio, enfim, a cena é da música brasileira!
O OPOSTO DE DIZER ADEUS
Segundo disco de Dan Nakagawa, produzido por ele e Rogério Bastos. Lançamento independente/YB Music, 10 faixas. Preço: R$ 16,90. Ouça, baixe e veja os clipes no site www. dannakagawa.com.br. ****
Boas surpresas
PIPO PEGORARO
Taxi imã
YB Music/ Tratore ***
Paulistano, 32 anos, Pipo Pegoraro é cantor, compositor e produtor musical. Em 2005, gravou um disco com o grupo Q;Saliva e passou seis meses em turnê na Europa. Em 2008, lançou o primeiro CD solo, Intro. O segundo, Taxi imã, veio agora, com produção dele e de Bruno Morais (este também um autor bem interessante), que compara o colega a um ;taxista mágico que nos leva para uma espécie de viagem ao mundo em 50 minutos;. Mais de 20 músicos participaram desse ;disco-imã;, que tem como referências Gilberto Gil, Itamar Assumpção e Fela Kuti. Luisa Maita canta uma das 10 faixas, Samambaia, e o violão de Kiko Dinucci aparece em outra, a ótima Arapuê. O instrumental é de primeira (afro, dub, pop, bossa, groove). Não à toa, depois da gravação do álbum, os músicos saíram do estúdio e formaram um coletivo, o Bixiga 70, que tem forte influência do afrobeat e ainda vai dar o que falar. (TA)
FLÁVIO RENEGADO
Minha tribo é o mundo
Independente ***
; O nome do disco novo de Flávio Renegado não deve ser tomado como propaganda enganosa: o território musical ocupado por este rapper de Belo Horizonte (nascido e criado na favela Alto Vera Cruz) desafia guetos. Do hip-hop mais falante (e inconformado) ao samba mais malandro, o compositor coloca em prática o versinho que abre o reggae () Evoluindo pensamentos: ;Vivo sempre em constante movimento;, ele avisa. E não mente. O desejo por aventuras além-clichês faz de Minha tribo é o mundo um álbum agradável, fluente, sempre disposto a pregar surpresas e testar as capacidades do cantor/compositor. ;Respeito não se compra, nem parcela no cartão;, diz Flávio, em Sai fora. E acrescenta, sem falsa modéstia: ;Na base ou no profi, sou titular e artilheiro;. Lançado em pleno reinado do paulista Criolo, que também amaciou a rima para pular o cercadinho que separa o rap da MPB, este segundo disco, produzido por Plínio Profeta, pode não parecer tão estranho no ninho das nossas rádios, mas impõe respeito. (Tiago Faria)