postado em 18/12/2011 08:00
Geraldo Carneiro acaba de lançar uma coletânea de suas parcerias musicais, Gozos da alma. Mas é impossível se limitar a conversar com ele apenas sobre o disco, quando se sabe que o poeta, roteirista e tradutor anda envolvido em tantos projetos. Na tevê, acabou de escrever a adaptação de O astro, em parceria com Alcides Nogueira, e assina o texto do narrador da série As brasileiras, que estreia em janeiro na Globo. No cinema, está encarregado de refazer o roteiro de Xica da Silva, filme de Cacá Diegues, a ser refeito por Jefferson Dee, e escreve com João Ubaldo Ribeiro a adaptação de A casa dos budas ditosos, do próprio Ubaldo ; o longa-metragem começa a ser rodado em janeiro, sob direção de Roberto Talma, com Sônia Braga no elenco. Prepara-se ainda para lançar dois livros em 2012.;A palavra é a divindade fundamental da minha vida. Tenho com ela uma relação quase de religião. Tenho até problemas de convívio. Porque se a pessoa fala uma palavra errada, é a única maneira de me fazer perder a linha (risos). Fico indignado, sou escravo das palavras. Aliás, no anedotário familiar, contam que, no meu primeiro aniversário, pronunciei a palavra liquidificador. A verdade é que nunca mais deixei de ser liquidificado por elas;, afirma o bem-humorado Geraldo, que não demorou a associar essa ;divindade; a outra manifestação não menos divina, a música.
Canções de família
Mineiro, ele se mudou para o Rio de Janeiro aos 3 anos, mas trazia de Belo Horizonte a semente da paixão. ;Na minha infância, eram moedas correntes lá em casa: música e poesia. Isso, bem na primeira infância mesmo. Meus pais gostavam de música e ouviam o tempo todo. A preferida do meu pai era Chão de estrelas, aquele poema de Orestes Barbosa. As favoritas da minha mãe eram as músicas da virada para a bossa nova, canções que tinham a bossa embutida, ainda sem a batida do violão de João Gilberto. Aí era um ambiente fecundo e propício, tanto para a poesia quanto para a música.;
Geraldo cresceu querendo ser músico, mas acabou sendo ;empurrado para a letra; pelos colegas ; músicos como Eduardo Souto Neto, com quem fez as primeiras composições. ;Houve também alguns acontecimentos estranhos na minha vida, nas primeiras vezes em que me deparei com a morte, que acabaram fazendo com que a música fosse satisfatória para explicar o mundo.; Aos 22, Carneiro ouvia seus versos, em Choro de nada, cantados por Vinícius de Moraes e Toquinho ; e, três anos depois, por Tom Jobim e Miúcha. Vieram então as chances de parceria com Egberto Gismonti, Astor Piazolla, John Neschling, Wagner Tiso, Francis Hime; Encontros que ocorreram ao longo dos últimos 40 anos e que renderam as pérolas reunidas em Gozos da alma, interpretadas por Olívia Byington, Mart;nália, Lenine e Zezé Mota, entre outros.
GOZOS DA ALMA
Coletânea de músicas com letras de Geraldo Carneiro e músicas de Francis Hime, Egberto Gismonti e Astro Piazolla, entre outros. 12 faixas. Lançamento Biscoito Fino. Preço médio: R$ 30.
Ponto a ponto
PRINCIPIANTE
; ;; E eu fazia letras com uma irresponsabilidade atroz. Comecei a fazer letras com 15 anos de idade e as músicas eram gravadas, rapaz! Por gente importante! Eu ficava com uma vergonha; Aí passei a compor com Egberto Gismonti e comecei a virar letrista sério. Mais sério do que a medida. Depois fui desbundando, e junto com isso fui escrevendo também uns poemas, por compulsão. Engraçado, a poesia veio por compulsão, não foi nada exterior, não.;
MELODIAS
; ;A letra é sempre escrava da melopeia (a arte de compor melodias), precisa ser compreendida, senão o ouvinte perde a paciência. Sempre acho que (poesia e letra de música) são diferentes, mas também acho que a brincadeira se faz justamente na intercessão. Gosto de fazer letras como se fossem poemas e poemas como se fossem letras; gosto de brincar com esse slimites;.
POESIA
; ;Quando fui para a PUC estudar letras (em 1974), acharam que eu era poeta e me chamaram para escrever para uma coleção de poesia (Frenesi), que tinha Cacaso, Roberto Schwarz, Francisco Alvim e João Carlos Pádua. Eu só tinha seis poemas, tive que inventar às pressas para participar dessa coleção. Comecei mal assim, sob o signo da impostura total. E aí fui me identificando com aquilo e lá pelo terceiro livro eu era aquilo. Então isso virou a minha vida;.
DRAMATURGIA
; Comecei a escrever para o teatro sob encomenda de Astor Piazolla, quando ele me chamou, em 1974, para escrever um musical sobre Evita Péron. Tinha 22 anos e nenhuma ideia do que era aquilo, só tinha lido Nelson Rodrigues, Bertolt Brecht, um pouquinho de Shakespeare. E fui lá com a cara e a coragem. O musical não foi encenado, mas um amigo meu, Bráulio Pedroso, gostou e me chamou para escrever um musical com ele, Lola moreno, encenado em 1979, com Ney Latorraca e Lucélia Santos;.
ORIGINALIDADE
; ;Que ninguém nos ouça, é tão raro se deparar com histórias originais. Shakespeare, que é meu ídolo, nunca escreveu uma história original, todas as histórias dele eram ou de Plutarco, ou da história inglesa, ou de algum folheto que ele comprou na feira, ou de algum autor italiano. Então essa história de original é um preconceito romântico recente. Não havia nem essa noção de originalidade há mais de 200 anos. As histórias vieram sendo contadas, mas a contemporaneidade criou esse conceito de originalidade;
AUTORALIDADE
; ;Não sinto a menor diferença em escrever uma história minha ou uma dos outros, a não ser que eu não tenha a menor afinidade com a história. Mas, como dizia Nietzsche, ;nada do que é humano me é estranho;. Raramente uma história me parece completamente estranha. No geral, me identifico com algum aspecto.;
JOÃO UBALDO
; ;Já trabalhei muito com histórias dele. A primeira foi uma que ele detestou, (a minissérie) O sorriso do lagarto. Aí a gente começou a trabalhar junto. Fizemos O santo que não acreditava em Deus, que virou o filme Deus é brasileiro, e ele gostou tanto, ficou tão feliz, e eu também, que fizemos seis ou sete adaptações para a televisão, e amamos trabalhar juntos. A gente se diverte, não sou impositivo, nem ele, então os caminhos vão se complementando.;