postado em 21/12/2011 08:00
De um lado, consumidores se aglomerando nos corredores apinhados dos shoppings e lojas, em busca de presentes, ingredientes para a ceia e enfeites de Natal. Do outro, comerciantes faturando alto na data mais rentável do ano. Aproveitando a economia pujante que chega a reboque do Papai Noel, atores e aspirantes aos palcos aproveitam este período do ano para explorar territórios artísticos em meio à festança do consumo. Muitos se aventuram entre renas, trenós e paisagens nevadas em shopping centers da cidade. O ofício de animar a data pode render, além de um dinheirinho extra, a descoberta de uma vocação inesperada. Há até quem decida seguir o caminho da ribalta de uma vez por todas.Na loja mágica de Papai Noel, instalada em uma praça do Conjunto Nacional, não há apenas um urso falante, um Papai Noel em 3D e brinquedos que se mexem. Atores encarnam vendedores, ajudantes de brincadeiras e até um gerente, inspirado no Chapeleiro maluco, personagem do filme Alice no País das Maravilhas. Eles trabalham para a Sopa de Teatro, empresa criada pelo ator Jota Júnior, que há 16 anos explora esse nicho de mercado.
Os eventos para instituições privadas começaram a proliferar em São Paulo e lá Jota Júnior conseguiu abrir as portas para fazer animações em shoppings. Até hoje, a capital paulista é um de seus principais mercados, mas as oportunidades em Brasília começam a se multiplicar. ;No teatro, a interação entre atores/animadores e público não é tão direta. Aqui, o distanciamento se perde e o jogo é mais intenso;, afirma Júnior, que faz cursos intensivos de formação para a equipe e, atualmente conta com 200 prestadores de serviço em várias cidades do país.
Entre eles, está o publicitário e aspirante a ator Nanda Kogula, 22 anos, que entretém a meninada no papel do Chapeleiro maluco. Um colega da faculdade o convidou para fazer teatro na Universidade Paulista (Unip), e ele tomou gosto pela coisa. Nas horas vagas, ainda leva montagens religiosas a hospitais do Distrito Federal. ;É uma experiência incrível para ter familiaridade com o público. No começo, mal conseguia animar a criançada, hoje já descobri o que elas gostam;, conta Kogula, que adicionou números de mágica à sua performance.
Ele divide a função natalina com algumas meninas apelidadas de Noeletes (ajudantes do bom velhinho). Entre elas, estão a administradora Cristiane Satyro, 24 anos, e a estudante Mariana Tenreiro, 18. Com a participação em cantatas de Natal e na Páscoa de sua igreja, Cristiane candidatou-se a uma vaga na companhia. Decidiu fazer a audição depois de anos de experiência no mundo da dança: descobriu que queria agregar a voz e a expressão facial às suas coreografias. ;Tenho vontade de fazer teatro, continuar me aprimorando;, afirma a animadora. No caso da colega, a disposição para o trabalho veio da vontade de estar perto das crianças. ;Só de ver o sorriso delas, meu dia muda;, reconhece. As horas passadas diante de uma pequena multidão (que começa a se formar assim que o shopping abre as portas) garantiram a Mariana mudanças em seu comportamento. ;Era tímida, mas já perdi boa parte dessa minha característica. No futuro, penso em ser atriz;, revela.
Elas não são as únicas a perceberam a vocação para os palcos depois da maratona natalina em um shopping da cidade. ;Mais de 30 pessoas que começaram comigo estão investindo na profissão. Há quem se apresente em espetáculos por todo o país;, conta Jota Júnior. No Taguatinga Shopping, as noeletes do grupo Ciranda, especializado em eventos temáticos e festas infantis, seguem pelo mesmo caminho.
Seleção de elenco
A administradora Michele Flor, 24 anos, começou como estagiária do setor administrativo da empresa, mas foi se encantando com a produção de festas. Quando o período de aprendizado acabou, ela descolou uma vaga no setor de eventos, ajudando com vendas, produção e seleção de elenco. Quando alguma ;princesa; faltava, ela era a primeira a substituí-la, até entrar para o elenco de vez. ;Como sou loira, faço a Cinderela com frequência. Mas tenho vontade de fazer parte de um grupo de teatro;, afirma. Thaynara Nunes, de 21 anos, também anima as tardes de dezembro no shopping. ;Até já cheguei de helicóptero com o Papai Noel. Cada dia é uma coisa diferente e temos que improvisar, liberando a nossa criatividade. Vou buscar oportunidades no teatro;, conta ela.
Jeff Moreira, ator há quase 40 anos, nem se lembra de quanto tempo faz que equilibra as funções de ator e animador. Ele ganhou o primeiro concurso de drag queens de Brasília e, desde então, convites para eventos não pararam de chegar. Enquanto circula pelos corredores dos shoppings, fazendo performances, divulgando promoções e interagindo com os consumidores, Moreira costuma usar fantasias de duende, animais e Papai Noel ;magro;. Em uma versão cômica das celebrações natalinas, já interpretou até uma mamãe Noel. ;Quem tem desenvoltura para se relacionar com o público, quem tem empatia, conquista as pessoas. Neste trabalho, é preciso conquistar produtos, clientes, amigos. E esse poder de convencimento é muito importante para o ator, que precisa transmitir uma verdade;, analisa.
Situações inusitadas
Neste contato direto com o público, situações inesperadas e inusitadas acontecem a todo momento. ;Uma vez, uma criança vomitou no meio da brincadeira. Levamos um susto, mas contornamos a situação;, conta Jota Júnior. Cenas de solidariedade também são frequentes. Em uma ocasião, quando Papai Noel perguntou o que cada um quer ganhar de presente, uma criança disse: eu quero um iPad 2. A menina ao lado disse: eu tenho dois. Posso dar um!
Mas nem tudo são flores neste corpo-a-corpo com o público. Enquanto circula pelos shoppings caracterizado, o ator Jeff Moreira precisa enfrentar o assédio de pessoas que querem levá-lo para entregar seus presentes de Natal aos parentes, amigos, até ao chefe. ;Dizem que é rapidinho e preciso explicar que estou trabalhando naquele momento;, diverte-se. Há cenas, prossegue ele, de cortar o coração. ;Às vezes, crianças humildes te pedem presentes que não terão condições de ter, e é de cortar o coração. O Natal não é o mundo da realidade;, lamenta.