O saldo de 2011 para o artista plástico brasiliense Matias Monteiro pode não envolver muitas exposições ; apenas duas, poucas frente às seis do ano passado ;, mas foi positivo no sentido de conhecer a situação das artes plásticas na região central do país. Matias percorreu quatro estados como um dos curadores do mapeamento do Itaú Cultural e ficou encarregado de descobrir artistas novos no Centro-Oeste. Formado pela Universidade de Brasília (UnB) e autor de uma obra na qual a infância é tema constante e delicado, o artista também fez curadorias e passou metade do ano fuçando ateliês de Mato Grosso a Goiás. O resultado será visto em 2012 em exposições por todo o Brasil. Aos 31 anos, Monteiro acredita que os artistas brasilienses são donos de uma identidade única.
Por que não conhecemos a produção dos vizinhos?
Temos um problema de comunicação, mas temos muita curiosidade. Uma resposta mais evidente é porque temos distâncias avassaladoras. Cidades que têm uma proximidade, como Goiânia e Brasília, possuem uma aproximação. Mas, quando você vai para outras capitais, como Cuiabá, essa comunicação fica comprometida. E tem essa questão dos eixos estabelecidos. Precisamos construir eixos locais de informação. A vontade para que isso aconteça existe. O projeto Fora do Eixo teve uma bolsa voltada para o Centro-Oeste, teve o Salão do Centro-Oeste em Goiânia, houve vários movimentos de pessoas buscando comunicação e tentando entender o que é essa arte produzida na região.
E essa arte tem uma característica?
Ela é muito diversa porque os locais são muito diversos. A única coisa que consegui perceber, nas nove cidades que visitei, é que sempre tem um artista dialogando com o Cerrado. É um bioma que nos une. A fotografia é muito forte, o desenho também. Foi totalmente revelador para entender melhor a situação em Brasília.
E qual a situação em Brasília?
A gente pegou uma geração que, na verdade, vai da minha aos mais novos. Conheci muitos artistas jovens e as pessoas às quais tive acesso são quase todas nascidas em Brasília, então tem muita produção refletindo sobre a cidade, pensando o que é a cidade hoje.
Mais do que em São Paulo tem gente pensando sobre São Paulo?
De certa forma, sim. São Paulo tem muita reflexão sobre o espaço urbano e isso não se restringe à cidade. Em Brasília, temos uma situação peculiar, que é essa coisa do projeto moderno e de uma cidade que tenta se compreender como parte desse projeto. A maioria dos trabalhos não reflete essa visão estereotipada da cidade, da arquitetura e tal, mas tenta ;envolver de afetos; essa relação e entender como é a experiência subjetiva da cidade. Ao apresentar o mapeamento para os curadores do Itaú, tive que explicar o que é o ;embaixo do bloco;, por exemplo. É um a referência que vem à tona em vários trabalhos. As pessoas sabem o que é um pilotis, mas ;embaixo do bloco; é uma construção afetiva da cidade, infantil.
Então você tem que explicar Brasília? Há um desconhecimento muito grande em relação à cidade?
Temos um repertório construído quando se trata de Rio e de São Paulo. Pela situação do eixo, já tá pulverizado, massificado, dado. Brasília é um repertório que está se construindo.
No caso do Rumos, por exemplo, se faz o mapeamento e as exposições, mas depois os artistas voltam
para suas cidade e são esquecidos, não são
inseridos em um circuito paulistano.
Mas aí a gente parte do pressuposto que a única possibilidade de desdobramento legítima de um programa como Rumos é a inserção em um circuito maior. Acho que tem essa potencialidade e que, para algumas pessoas, a carreira pode deslanchar. Mas o mais interessante não é isso. É a possibilidade de pensar ;o que é essa arte?;, fazer uma reflexão com um grupo grande de pessoas. Sua simples presença como elemento externo já tem um impacto. Você obriga os artistas a se reunirem para possibilitarem o encontro com você. Para além da inserção, tem essa zona de conflito. E vivi essa zona de conflito, de choque cultural.
E essa produção é levada a sério como algo que pode ser inserido em um eixo?
Na minha experiência com outras regiões, tive a impressão de que é levada a sério, sim. E em outras áreas também, como o cinema, com o filme da Daniela Proença (Braxília) sobre o Nicolas Behr e a reflexão poética dele sobre a cidade. O filme está ganhando prêmios, sendo visto. Acho que há uma curiosidade sobre Brasília. Rio e São Paulo têm um repertório construído e Brasília tem, de certa forma, um repertório imposto, que é essa coisa política. Os 50 anos, nas artes plásticas, obrigaram as pessoas a cavucarem e a tentarem compreender essa história. Estamos começando a nos apropriar dessa história e as outras cidades têm curiosidade quanto a isso. Agora, tem um problema: existe uma tendência dos artistas de Brasília a construírem suas carreiras muito internamente, localmente. Em artes plásticas, isso é notório.
Isso seria um reflexo da própria estrutura da cidade, que acalenta o isolamento?
Sou um fã incondicional de Brasília e a cidade tem, realmente, uma organicidade perpassada por isso. Estamos vivendo um momento muito estranho, uma série de perdas de características, de traços culturais. Era um orgulho nosso ter um trânsito mais civilizado e isso está se perdendo. Nas décadas de 1970 e 1980, os artistas eram mais integrados, o pessoal do teatro tinha um diálogo com o das artes plásticas, todo mundo se conhecia, a cidade era menor e havia menos espaços. Hoje, está tudo mais pulverizado. Em Goiás, percebi que há um agrupamento de artistas em espaços de criação coletiva. Brasília, pela especulação imobiliária, cria obstáculos para isso. Fiquei muito feliz, por exemplo, de ver o pessoal do Espaço Laje fazendo isso. Essa coisa do trabalho em conjunto está surgindo com força na cidade, meio na contramão dessa ideia de individualismo. Tem um movimento, principalmente entre os jovens artistas, de integração de trabalho em conjunto muito forte. É um momento legal nesse sentido, uma resistência mesmo.
Por que a infância é algo sempre presente no seu trabalho?
O meu processo vai me conduzindo. Conheço artistas que querem dizer que têm domínio do processo. Eu não tenho. Sempre tenho uma medida de descontrole. Essa questão do infantil foi se revelando em vários trabalhos e, a partir disso, resolvi investigar. Não sei dizer exatamente o porquê, mas é uma questão que me fascina. Gosto de pensar no trabalho como uma armadilha porque ele tem uma forma muito singela, mas não me interessa ficar no singelo. Penso que isso é uma camada de leitura possível. O que me mobiliza não é esse singelo. Claro, tem esse fetiche de pensar que as crianças vão ter um outro tipo de acesso, mais direto.
Tem a ver com uma forma lúdica de olhar para o mundo?
Se a gente pensa no lúdico como um jogo, sim. Tem a ver com isso. O que não tem a ver com o pensamento muito corrente do lúdico, não acho que meu trabalho seja divertido. Trabalho mais com nostalgia, com essa ideia de algo que é maior do que eu. É um trabalho de adequação de escala, uma questão de transformar algo em escala apreensível, possível de ser apreciado. Na exposição do TCU tem muita referência ao espaço, ao cosmos, que é um elemento de fascinação para mim desde a infância. É algo como transportar para infância esse olhar fascinado sobre o mundo. Para mim isso tem se convertido mais em uma estratégia de produção do que em temática propriamente.
Como encurtar a distância entre arte contemporânea e público?
É um teste. Sempre existe a possibilidade de tensão com o público. As pessoas têm uma expectativa do que é arte, que é descontextualizada. Elas não têm acesso a grande parte das discussões que estão acontecendo hoje na arte contemporânea. Sempre existiu esse confronto e questionamento entre arte e público, o confronto com a arte nunca vai ser amigável. O que precisamos, e podemos fazer, é ampliar os discursos, trabalhar com educação, não no sentido de facilitar o acesso, mas de dar repertório e estimular uma reflexão. Vivemos numa sociedade imediatista e acostumada a coisas justificadas. Arte é um duplo espaço de resistência porque fomenta afetividade e fomenta a reflexão num mundo onde esses espaços estão cada vez mais marginalizados. De qualquer forma, sempre haverá apreciação estética, artística.
Você está cursando museologia, que é um curso recente. Por que fazer museologia em Brasília, uma cidade que aos poucos fecha seus museus?
Segundo estimativas do GDF, a gente tem 60 museus. No caso das artes plásticas, tem essa situação dramática que é o MAB, um museu de importância nacional com um acervo monumental. Há uma sistemática falta de vontade política. Não é falta de recurso. A gente tem uma geração inteira de artistas ; e haverá agora uma de museólogos ; que nunca esteve no MAB. Isso é muito triste. Sei que o acervo está sendo bem cuidado e mostrado de vez em quando, mas aquele espaço é importante, inclusive pelo que está acontecendo em volta dele. A museologia pode conscientizar a sociedade e o poder público da importância do museu como fenômeno social. Minha cidade tem 60 museus, todos eles em situação precária. Mesmo os que dão a impressão de que estão funcionando as mil maravilhas, não estão. O curso de museologia na UnB faz parte de um movimento nacional e isso pode ser revolucionário para essa situação, que é problemática.
O que acha que falta em Brasília hoje?
Falta respeito. Nas artes visuais, temos uma situação que acho muito problemática: a maioria dos espaços não vê a produção artística como um trabalho, não vê o artista como um profissional e tem com ele uma relação que não é profissional. Isso é extremamente problemático. Os espaços não oferecem nenhum tipo de recurso ao artista, ele tem que conseguir meios para produzir o trabalho. Para muitas instituições, oferecer o espaço é o suficiente. É visto como uma oportunidade. Nunca é mérito do artista ocupando o espaço. E tem essa questão do comércio, que ainda é muito frágil em Brasília, um problema. E temos um problema de espaços que fecham, que têm vida útil muito curta, além de um vazio de políticas públicas. No caso do MAB, é sintomático. A edificação é patrimônio da cidade, é uma construção moderna. É preciso ver até onde a política está ciente do que é o tesouro do MAB. Falta um comprometimento tanto da sociedade quanto do governo local com políticas mais claras, mas também uma organização maior por parte dos artistas para reivindicarem.
Mas a cidade não está interessada nisso?
Os interesses são fomentados. Se a gente tem um museu com visitação recorde, é porque as pessoas vão. A gente sempre pensa em Brasília como um projeto urbanístico e arquitetônico, mas existe por trás disso um ideário pedagógico do Anísio Teixeira. A ideia de que a formação do sujeito, para habitar essa cidade moderna, é ter passado pela Escola Parque. Eu sou fruto da Escola Parque. Existia também a ideia de que esse sujeito precisaria ser também inserido na modernidade visual e esse projeto foi abandonado. A gente não se interessa pelo que não conhece. A gente se interessa quando tem um ponto de contato. A partir de 2000, com a criação do CCBB e reforma da Caixa, houve um boom de educativos na cidade. Então agora, a gente tem uma geração que foi escolarizada frequentando museus. Será que essa geração vai se interessar mais por arte? Não sei, mas com certeza ela tem mais oportunidade de se interessar. Hoje, a gente fomenta um desinteresse e dificulta o contato.