Diversão e Arte

Dinamarquês Lars von Trier se apresenta no Cine Brasília com entrada franca

O cinema furioso e polêmico do dinamarquês Lars von Trier ganha a tela do Cine Brasília a partir de hoje, em retrospectiva com entrada franca

postado em 17/01/2012 08:00
Com filmes despudorados ou movimentos como o Dogma 95, Lars von Trier provoca tensões e força o espectador a tomar uma posição: goste ou não, ele surpreende
Quando o assunto é Lars von Trier, uma confusão se torna quase sempre inevitável: ainda parece complicado identificar os limites entre o artista e a figura pública. Por um lado, os filmes do dinamarquês podem impressionar pela ambição e pelo rigor como enquadram as relações humanas. Por outro, as declarações do autor muitas vezes resvalam em provocações barulhentas, sob medida para chocar a mídia. Essa contradição ganhou uma dimensão bombástica na edição de 2011 do Festival de Cannes. Após ter feito comentários interpretados como elogios a Adolf Hitler, o diretor foi expulso da Croisette. Enquanto isso, o longa Melancolia era aplaudido por grande parte da crítica, consagrando Kirsten Dunst com o prêmio de melhor atriz.

A mostra Em cartaz: Lars von Trier, que começa hoje no Cine Brasília (e segue, a partir do dia 25, no CCBB), deve desfazer esse e outros mal-entendidos que se criou em torno do cineasta. A retrospectiva, que integra a programação do 1; Festival Internacional de Artes de Brasília, exibe os momentos mais importantes de uma trajetória que marca há três décadas o circuito de arte internacional. No total, são 20 filmes ; entre eles, os raros O elemento do crime (1984), Epidemia (1987) e Medea (1988), além da série de tevê O reino (1994-1997), do curta inacabado Dimension (2010) e de documentários sobre o diretor. Só ficaram de fora seis curtas e um média-metragem (de 1981). O evento, organizado pelo CCBB e com entrada franca, tem apoio da Embaixada da Dinamarca.

Em Brasília, o apelo do diretor foi confirmado nas sessões lotadas de Melancolia, exibido na edição mais recente da mostra Em cartaz, em outubro de 2011. ;Em uma das noites, 800 pessoas tiveram que voltar para casa. O interesse do público é muito grande;, observa Paula Sayão, gerente-geral do CCBB de Brasília. A mostra, por isso, será dividida em duas partes. Os longas-metragens de ficção lançados comercialmente no Brasil ; de Ondas do destino (1996) a Melancolia ; têm sessões programadas no Cine Brasília, em película. Já as primeiras produções do diretor serão exibidas em DVD e betacam na pequena sala do CCBB. O professor da Universidade de Copenhagen Peter Schepelern, que lecionou para Trier, fará palestra no dia 28, no cinema da 106/107 Sul.

Mais do que um autor inventivo, essa filmografia chama a atenção para um outro talento de Lars von Trier: a capacidade de conjugar imagens atrevidas a campanhas de divulgação cuidadosamente pensadas para fisgar a curiosidade dos jornalistas. Seja em formato de trilogias, de movimento (o Dogma 95) ou de projetos despudorados (caso de Anticristo, de 2009, com cenas explícitas de violência e sexo), Trier criou eventos cinematográficos que, além de provocar tensões audiovisuais, pautaram a mídia ; garantindo, em contrapartida, surpresas a cada sessão de estreia.

Esse jogo consciente de marketing, que Trier sempre tratou com cinismo, é um dos alvos dos desafetos do cineasta. Para esses, o dinamarquês seria misógino e niilista. Os fãs, em oposição, o admiram pela força de um olhar duro e desiludido para o mundo de hoje. Influenciado por mestres como Stanley Kubrick, Ingmar Bergman, David Lynch e Andrei Tarkovski, Trier cria filmes que cobram do espectador uma tomada de posição ; e rejeitam opiniões brandas. Na primeira exibição de Anticristo, no Festival de Cannes de 2009, parte da plateia abandonou a sala, impressionada por cenas de mutilação e terror ; outra parte, no entanto, tratou o filme como obra-prima.

Cinismo e talento
A verdade é que não existe consenso sobre Lars von Trier. E essa condição controversa pode tornar ainda mais interessante a descoberta ; ou a redescoberta ; de uma obra que tratou furiosamente de temas difíceis (e abrangentes), como a violência contra mulheres, o imperialismo norte-americano e os efeitos da Segunda Guerra Mundial na vida europeia. A própria engrenagem do cinema também se tornou uma obsessão do diretor, que tratou de desnudar os truques de encenação ao criar os cenários lacunares de Dogville (2003) e ao seguir as restrições do Dogma 95 (que impedia, por exemplo, o uso de luz artificial e trilha sonora) em Os idiotas (1998). ;Mais do que pensar em formas eficientes de prender a plateia diante de um filme, é importante tentarmos contribuir para a arte;, afirmou.

Sempre disposto a mirar o estilingue contra a cultura norte-americana, Trier disse certa vez que o fato de nunca haver visitado os Estados Unidos não o impedia de fazer filmes sobre o país. ;Somos todos um pouco norte-americanos;, comentou. É na América, aliás, que se passa a trama de Melancolia, que venceu o European Film Award de 2011: após uma festa frequentada por tipos hipócritas ; a charge e a caricatura são especialidades do diretor ;, resta aos humanos acompanhar, impotentes, às notícias sobre o fim do mundo. Na plateia, a reação é bem outra: não há como ficar impassível diante de uma lente tão cruel, e sempre tão preparada para o ataque.

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