Diversão e Arte

Memória de entrevista rara com Elis Regina, em 1979

Irlam Rocha Lima
postado em 19/01/2012 08:00
Elis em conversa num hotel que tinha suposta ligação com a ditadura
O primeiro show de Elis Regina a que assisti foi o Transversal do tempo, no Teatro da Ospa, em Porto Alegre. Um ano depois, quando a cantora veio a Brasília com Essa mulher, fui pautado para entrevistá-la. Em 22 de novembro de 1979, antes de chegar ao hotel onde ficou hospedada, vivi um misto de alegria e apreensão. Alegria, por ser um admirador da cantora gaúcha desde o dia em que vi, na tevê, a baixinha se agigantar, interpretando Arrastão e levando a canção de Edu Lobo e Vinicius de Moraes a vencer o Festival da TV Excelsior. Apreensão, por saber da fama de mal- humorada, principalmente no trato com a imprensa.

Nervoso, diante daquela personalidade controversa e ao mesmo tempo fascinante, constatei que tudo que ouvira sobre Elis tinha um quê de verdade. Um tanto quanto tensa, ela pediu para alguém da produção vasculhar a cortina que havia atrás da cadeira que ocupou, para se certificar de que não existia nenhum microfone ligado. Esse cuidado tinha a ver com o fato de aquele hotel, no Setor Hoteleiro Norte, ter sido usado como quartel general da ;campanha; de João Baptista Figueiredo para presidente da República ; o último da ditadura militar implantada no país.

Após certificar-se de que nada havia, pude ligar o gravador e dar início à entrevista. Como me preparei bem para aquele bate-papo, logo na segunda pergunta, Elis estava completamente relaxada, sorridente e confiante. Parecia que me conhecia há tempos. Durante 40 minutos, conversamos como se fôssemos velhos e bons amigos. Ela não fugiu de nenhuma das questões colocadas, mesmo as mais embaraçosas.

Pergunta delicada
Uma delas: ;No governo Médici, você participou das Olimpíadas do Exército, cantando num show no Mineirão. Houve quem dissesse que estava a serviço do sistema. Como vê isso?; Elis respondeu: ;As pessoas sempre vão dizer alguma coisa, sejam de direita, de esquerda, de centro. Mas, em relação àquele episódio, devo esclarecer que participei das Olimpíadas do Exército imposta. Chegaram para mim e perguntaram: ;Como é que é? Você quer ir ou prefere ser levada? Diante de tanta ;amabilidade;, fui. Eram tantas coisas horrorosas que a gente tomava conhecimento, que ficava difícil dizer não;.

A Pimentinha leu a matéria publicada no Correio e, quando fui cumprimentá-la no improvisado camarim, no Cine Brasília (local do show), depois da apresentação, ganhei um abraço, um beijo e ouvi: ;Muito obrigado pelo que saiu publicado. Você foi fiel ao que conversamos. Deus lhe abençoe;. Preciso dizer que fui tomado por uma grande emoção ao ouvir o agradecimento?

Sentimento igual tivera durante a apresentação do espetáculo Essa mulher, no qual interpretara de forma magistral, com aquela voz precisa, maravilhosa, e com gestos largos, canções como Basta de clamares inocência (Cartola), Onze fitas (Fátima Guedes), As aparências enganam (Tunai e Sérgio Natureza), Eu, hein Rosa (João Nogueira e Paulo César Pinheiro), Essa mulher (Joyce e Ana Terra), Maria Maria (Milton Nascimento e Fernando Brant) e O bêbado e a equilibrista (João Bosco e Aldir Blanc), que Elis havia transformado no ;hino da anistia;.

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