Diversão e Arte

Cineasta Nelson Pereira dos Santos mergulha na vida de Tom Jobim em filmes

postado em 20/01/2012 13:36
O cineasta Nelson Pereira dos Santos passeia pelo universo onírico do maestro, compositor e instrumentista Tom Jobim. Um dos precursores do movimento do cinema novo, o criador propõe um mergulho na obra do mestre da bossa nova, a partir de dois lançamentos cinematográficos. Os filmes sobre Jobim, morto em 1994, aos 67 anos, foram dirigidos por Nelson Pereira dos Santos, 83 anos, e serão lançados neste ano. O primeiro, A música segundo Tom Jobim, codirigido por Dora Jobim, estreia nesta sexta (20/1) em dois cinemas do DF. O outro, A luz do Tom (codirigido por Marco Altberg), foi feito por meio de depoimentos de três mulheres muito ligadas a Jobim: Helena Jobim (irmã), Thereza Hermanny (primeira mulher) e Ana Lontra Jobim, segunda e última mulher. Em entrevista ao Correio, ele rememora o Rio de Tom e fala do processo de criação.

Os dois projetos sobre Tom Jobim foram planejados separadamente ou terminaram se separando somente no fim?
Desde o começo, foram projetados os dois filmes assim. Um era sobre a memória das três moças. O outro, sobre a música que ele criava, a música dele em si, narrada em ordem cronológica. Não é bem a carreira não. É mais a produção musical do Jobim.

O programa A música segundo Tom Jobim, que o senhor dirigiu para a TV Manchete, foi o pontapé inicial do filme?

É o mesmo título. Fiz o programa da Manchete, em 1985, e usei o título de novo. Na luz do Tom, tem um prólogo só com dois ou três trechos do programa. A ideia do programa foi do Tom. Era tudo gravado na casa dele. Em cada episódio, contávamos a história da música popular brasileira. O primeiro era sobre Radamés Gnatalli, grande compositor, foi ilustrado com o Tom ao piano dentro de casa. Depois, Chico Buarque com as canções do Noel Rosa. Nana Caymmi e Gal Costa fizeram com a música popular para consumo. Seguiu com a evolução de grandes compositores. A gente contava a história de forma espontânea, sem nenhuma impostação didática idiota. Eram músicos se deliciando e ligando a memória deles a de outros compositores que marcaram a história brasileira.

Mesmo tendo convivido com o maestro pessoalmente, o senhor descobriu alguma coisa sobre o Tom que não conhecia antes de fazer o filme?

Não. Mas me aproximei muito da família dele. A neta do Tom, Dora Jobim, fez comigo a direção de A música. Ela trabalha com cinema, mas tem a cabeça de musicista. Deu uma grande ajuda. Paulo Jobim (diretor musical) fez as músicas do Brasília 18% e Cinema de lágrimas (ambos dirigidos por Pereira dos Santos) e também está no filme. Miúcha (parceira de Tom em vários projetos) ajudou bastante. Minha filha é produtora e Ivelise Ferreira, minha mulher, também. Foi uma equipe de duas famílias reunidas. Éramos uma patotinha trabalhando nesse projeto há muito tempo, só estamos lançando agora por causa da dificuldade de captação. Tive muito prazer em fazer esse filme.

A luz de Tom parece relacionar a cidade do Rio de Janeiro à trajetória de Antonio Carlos Jobim. Será outro filme de Nelson Pereira dos Santos sobre a cidade?
A ideia era a seguinte. Cada uma das três (Helena, Thereza e Ana) falava sobre um espaço que o Tom ocupava. Um deles era o espaço da natureza. Helena, irmã mais nova do Tom, falou da adolescência, do período da juventude e da relação dele com a natureza. Ela diz que a praia de Ipanema era um areal naquela época. Isso não existe mais no Rio de Janeiro. Fui filmar em Florianópolis. Fiz as lembranças de infância do Tom. Isso causou um mal-entendido. Quando fui filmar, as pessoas diziam que não se lembravam de ele ter nascido lá (risos). Ele não nasceu em Florianópolis, mas a natureza de lá é muito parecida com a de Ipanema daquela época.

Os seus filmes sempre abordam algum aspecto da cultura brasileira. Qual deverá ser o próximo?

Meu próximo filme deverá ser sobre o D. Pedro II, baseado no livro do José Murilo de Carvalho, Dom Pedro II ; Ser ou não ser. Ele foi uma figura básica da história do Brasil. O livro não é uma historiografia acadêmica, fechada. É um livro muito interessante e me despertou a ideia de fazer o filme para lembrar a história do Brasil.

O cinema brasileiro já passou do momento de discutir a identidade nacional e avançou em termos de abordagens temáticas?

Eu não sei dizer. O cinema brasileiro tem mais filmes hoje, mais cineastas. É um momento de pujança. Para fazer uma análise, tinha de ver todos os filmes. Quando eu comecei, era obrigatório ver os filmes, discutir e detalhar. Quando tinha 20 filmes, nos anos 1970, dava para ter uma ideia da relação com a nossa história cultural. Do que acompanho, acho que existe de tudo. Esse julgamento tem de ser repensando. Existe gente preocupada com isso, sim. O cinema ficou múltiplo, voltado para as raízes históricas e nacionais. É que são outros caminhos de realização o de outros diretores. É uma polifonia com liberdade de criação. Acho bastante positivo que isso esteja acontecendo. Esse tipo de crítica fica meio saudosista. Nós brasileiros temos essa tendência ao saudosismo. Eu não tenho não. O melhor ainda virá.

E a música? Piorou depois da bossa nova?
Como tudo no Brasil, a música funciona no pluralismo. Uma forma de produção muito rica, ao mesmo tempo de pensamento. Há mais gente produzindo. Viva o pluralismo. Não sou especialista em música. Mas, os meus netos estão curtindo música popular, falando de coisas que eu nunca ouvi falar. Acho que essa boa fase econômica do Brasil, anunciada com possibilidade de desenvolvimento social mais justo, vai realmente nos oferecer um futuro muito bom em todos os níveis. Isso terá consequências na área da produção cultural, sem dúvida. O que ainda precisamos fazer é ficar livres do Estado, dos burocratas na criação artística.

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