Para apontar o erro no fraseado de um aluno, o pianista Luiz de Moura Castro dá uma aula de história. Primeiro, lembra uma frase do pianista austríaco Arthur Schnabel. ;Ele dizia que se tivesse dinheiro pagaria para tirar todas as divisões dos compassos das partituras;. Explica como essa supressão poderia fazer o pianista pensar de maneira mais contínua e menos entrecortada.
Em seguida, pede ao aprendiz que tente repetir o trecho da música com a ideia em mente. Moura Castro é um lorde, um sujeito de delicadeza tocante e um professor que escolhe as palavras. Apontar o errado sem acrescentar informações, que vão além da técnica, pode não ser de grande valia para os alunos. Por isso, a aula do carioca radicado nos Estados Unidos tem latim, história da arte e análise musical.
Aos 70 anos e em plena atividade pedagógica (ele dá aulas na Universidade de Hartford, em um conservatório em Barcelona, na Porarte no Rio de Janeiro e realiza média de 30 concertos por ano), o pianista aceitou o convite para o 34; Curso Internacional de Verão porque queria matar as saudades.
Nos anos 1980 e 1990, Moura Castro participou de várias edições do evento. ;Gosto muito de fazer esse curso especificamente pelo fato de ele ser gratuito;, explica. ;Em qualquer lugar do mundo, um curso desse custaria ao aluno entre R$ 2 mil e R$ 3 mil. Gosto de ser acessível independentemente da condição econômica, senão você vira uma exclusividade de quem tem dinheiro.;
Mestre por escolha
A vocação pedagógica levou o pianista aos Estados Unidos há mais de quatro décadas. Nos anos 1970, havia poucos cursos superiores de música no Brasil, e Moura Castro não via perspectiva de integrar o corpo docente de instituições cariocas quando voltou do Conservatório Liszt, na Hungria. Aceitou então a oferta de trabalho em Hartford. Inspirado em referências como os pianistas Jacques Klein, Magda Tagliaferro e Arnaldo Estrela, que formaram gerações de instrumentistas brasileiros, Moura Castro passou a se dedicar ao ensino do piano sem abdicar da carreira de concertista.
;Hoje isso não é mais tão comum. Escolhe-se a carreira de palco, normalmente. O que faço é combinar os dois. Não fiz carreira pedagógica para sustentar a de concertista.; Ao contrário, tornou-se referência no concorrido circuito dos concertos, recitais e gravações. Fez da música latino-americana uma prioridade e gravou Heitor Villa-Lobos, Alberto Ginastera, Edino Krieger, Almeida Prado e Marlos Nobre, sem deixar de lado o repertório tradicional. Os cinco concertos de Beethoven, Franz Liszt, Fréderic Chopin e Robert Schumann também encontraram lugar na obra, que soma mais de 40 discos. Mas é em sala de aula que tudo se completa.
O mercado anda atrapalhando a música erudita. Para notar isso, Moura Castro sugere audições cegas: há pouca diferenças nas interpretações. ;Nos anos 1940 e 1950, você ouvia três compassos e sabia de quem se tratava. Hoje, isso é mais complicado. É uma questão de comércio e fica muito ao cargo da mídia, que pode formar uma estrela muito rapidamente. Claro, o pianista tem que ter o mínimo de competência, mas não existe mais a personalidade do grande solista.;
O concerto
Para o recital programado para hoje, às 19h, no Teatro Levino de Alcântara, o pianista selecionou repertório representativo da trajetória traçada durante as cinco décadas de carreira. Vai tocar trechos do Carnaval, de Schumann, e o Prelúdio da Bachianas brasileiras n; 4, de Villa-Lobos. Mesmo radicado nos Estados Unidos há mais de 30 anos e com parte da formação feita no exterior, Moura Castro se classifica como um pianista tipicamente brasileiro.
;O que define isso é a devoção que tenho pela música brasileira e latino-americana. Toquei em toda parte do mundo e acho que pouca gente tocou tanta música brasileira e latino-americana em tantos lugares. É um compromisso que tenho;, garante. O fato de ser brasileiro também influencia na leitura e interpretação da música. ;A criatividade entra bastante no modo de tocar, mas agora há uma tendência para a globalização, para a uniformização.;
Luiz de Moura Castro
Hoje, às 19h, no Teatro Levino de Alcântara da Escola de Música de Brasília (602 Sul). Classificação indicativa livre.