Pode parecer uma grande contradição: a inglesa Adele, famosa mundialmente por interpretar canções pessoais sobre dores de amor, leva uma vida feliz. É uma estrela extrovertida, de risadas altas, capaz de fazer amizade com o executivo de gravadora mais turrão. Não costuma dar assunto para os jornalistas de fofocas: diz não às drogas (ainda que admita beber demais), superou muito cedo a separação dos pais e evita frequentar o clube dos famosos ; quando tem tempo, ainda sai com as amigas para se divertir. Uma rotina tão extraordinariamente tranquila que pode provocar aflição nos escritores que tentam narrar a trajetória da cantora. Diante de tanta normalidade, por onde começar?
O jornalista inglês Chas Newkey-Burden se desafia a fazer da biografia Adele, de 2011, que chega ao país pela Editora LeYa Brasil, uma leitura palpitante. Mas pode deixar a impressão de ter chegado com muita antecedência ao tapete vermelho. Com ;apenas; 212 páginas, o script da obra parece largo demais para uma trama ainda tão curta. Para os fãs da musa, no entanto, oferece um mimo sedutor, narrado por um viés positivo e pontuado por superlativos. ;São a autenticidade e a sinceridade de seu trabalho que atraem: não há artifícios, apenas muita alma;, avalia o autor, ainda no capítulo introdutório. O leitor logo percebe que, antes de biógrafo, Chas é tiete.
A falta de distanciamento em relação às celebridades não é novidade para o escritor, que já retratou, em livros traduzidos para 13 idiomas, astros como Justin Bieber, Amy Winehouse, Simon Cowell, o casal Brangelina (Brad Pitt e Angelina Jolie) e até Stephenie Meyer, autora da saga Crepúsculo. Na biografia de cantora de hits como Someone like you e Rolling in the deep, o comentarista da BBC Radio London parte da noção de que Adele Laurie Blue Adkins teria nascido com o dom do superestrelato. A própria cantora, no entanto (e de acordo com o próprio livro), desmentiria essa hipótese. Em entrevistas, ela mostrou mais de uma vez que não se vê como uma pessoa tão peculiar. ;Se eu não cantasse, seria uma faxineira. Adoro limpar;, disse.
Para quem conhece Adele apenas pelos hits, o livro pode provocar interesse por outro motivo: ele revela as diferenças entre o showbusiness contemporâneo e o de 15, 20 anos atrás. Foi graças à agilidade da internet que, a exemplo dos ingleses do Arctic Monkeys e do astro teen canadense Justin Bieber, a cantora se tornou um sucesso mundial, e um símbolo da indústria pop no século 21. Depois de gravar duas canções na escola de artes em que estudava ; a Brit, que cursou na mesma época de Amy Winehouse ;, ela as enviou a uma publicação on-line chamada Platforms Magazine. Em seguida, os amigos trataram de conectar as músicas à rede social MySpace. Rapidamente, a caixa de e-mails lotou. ;Não precisei enfrentar o mundo real, tudo caiu no meu colo. Tive sorte;, ela comentou.
Poder e carisma
Contratada em setembro de 2006 pelo selo XL Recordings, que também lança os discos do Radiohead e do Vampire Weeknd, a ex-garçonete de Tottenham (norte de Londres) se transformou numa das pessoas mais poderosas do planeta em apenas cinco anos. Em 2011, aos 23 anos, apareceu no topo da lista Music Power 100, do jornal inglês The Guardian. Quebrou um recorde quando o segundo disco da carreira, 21, permaneceu no primeiro lugar da parada britânica por 15 semanas consecutivas. Nos Estados Unidos, o tufão bateu logo em seguida: 16 semanas na posição mais alta do top 200 da Billboard. Estima-se que, no mundo todo, foram vendidas 17 milhões de unidades ; o lançamento mais popular de 2011.
Segundo o livro, a escalada de Adele se deu sem solavancos, apesar das crises provocadas pela fama repentina. Após a consagração no Brit Awards, após a ótima repercussão do disco de estreia (19, de 2008), tabloides noticiaram que ela havia tentado suicídio ; e que foi pedir conselhos ao ídolo pop Robbie Williams sobre como lidar com o assédio do público e da imprensa. ;Eu estava sendo criticada pela primeira vez, com as pessoas dizendo que eu só tinha ganhado por ter estudado na Brit School. Elas achavam que eu tinha sido fabricada;, afirmou. Robbie, então, a aconselhou a não se preocupar demais com o excesso de paparico: quanto mais prêmios, mais gente conheceria as músicas. O nervosismo, daí em diante, diminuiu.
Inspirada por cantoras como Etta James, Carole King e Aretha Franklin, Adele passou a compor músicas sobre as próprias experiências, sem se preocupar com a carga emocional dos desabafos. Nos palcos, busca a cumplicidade total da plateia. ;Adoro quando uma esposa arrasta o marido a um show e ele fica ali, parado como uma estátua. Você passa a noite toda tentando encantá-lo e, no fim do show, ele está beijando a esposa. É maravilhoso;, contou a vencedora de dois prêmios Grammy. O que só confirma um dos principais objetivos artísticos: derrubar a parede que separa os fãs dos superpoderosos. ;Ela é alguém como você;, afirma o biógrafo. Nem tanto ; mas o apelo da estrela deve um pouco ao fato de não ter (ainda) se convertido numa personagem exótica, fora do comum.