Diversão e Arte

Livro mostra como moradores ocuparam apartamentos da 108 Sul

Nahima Maciel
postado em 24/01/2012 10:40
A curiosidade levou o fotógrafo Leonardo Wen a explorar um tempo que não viveu e uma intimidade reservada a poucos. Graças ao Prêmio Marc Ferrez da Funarte, Wen resolveu tocar um projeto há muito acalentado: penetrar nos primeiros apartamentos residenciais construídos em Brasília, cuja configuração ainda guarda a originalidade da época da inauguração. O ensaio produzido entre julho e setembro de 2010, na SQS 108, rendeu as 40 imagens de APTO, além da satisfação da curiosidade de conferir como vivem hoje os habitantes das superquadras. ;Sempre tive vontade de ver como as pessoas ocupam esses espaços feitos direto da proposta modernista, que são espaços planejados de forma igual para todo tipo de gente;, explica o fotógrafo.

A 108 Sul foi a primeira quadra a ficar pronta na história do Plano Piloto. Com 11 blocos, todos sobre pilotis e organização fielmente ancorada nas propostas urbanísticas de Lucio Costa, a superquadra é até hoje considerada modelo. São, no total, 456 apartamentos, mas Wen elencou diversos critérios de seleção antes de bater na porta dos moradores. Procurou os mais antigos para depois conferir o quanto ainda havia de original no imóvel. A ideia era retratar como se deu a ocupação e humanização das estruturas ao longo do tempo sem a máscara de reformas.
Dos 456 apartamentos que compõem a 108 Sul, Leonardo Wen visitou 28 dos mais preservados em relação à planta original
Wen queria checar como se deu a apropriação dos espaços por parte dos moradores. Encontrou imagens preciosas. ;É um tema difícil de tratar e não pelo acesso, isso foi fácil, mas para não cair numa de fazer foto da casa da tia;, diz. ;A priori as imagens não têm nenhum conflito, não têm uma coisa que chame a atenção. Queria tentar descobrir a poética disso.; Wen recorreu então a Luis Humberto, especialista em voltar as lentes para a intimidade doméstica com poesia e delicadeza. As conversas com o fotógrafo foram completadas com um texto no qual Luis Humberto fala em ;invasão consentida; para descrever a apropriação da intimidade alheia na pesquisa de Wen.

Plantas históricas

Há poucas pessoas nas fotografias. Apesar da confessa vontade de narrar uma apropriação humana de uma arquitetura moderna e austera, o fotógrafo preferiu colocar em evidência o ambiente e os objetos que caracterizam seus donos para, com isso, insinuar uma narrativa. ;Tentei trazer as pessoas nos objetos. Meu medo ao editar era que ficasse um conjunto vazio, silencioso, a intimidade foi um jeito de trazer mais calor humano.; Vez ou outra, uma figura humana entra em cena, mas nunca em primeiro plano ou como elemento principal da imagem.

Wen evitou fazer a fotografia documental e privilegiou um ponto de vista muito pessoal na construção dos quadros. ;Queria humanizar por meio dos objetos.; Dois depoimentos de moradores completam o livro, editado em capa dura com projeto gráfico cuidadoso. Uma série de 10 imagens selecionadas do banco do Arquivo Público e plantas dos apartamentos da 108 completam a edição. Recorrer ao passado funcionou como suporte para introduzir a estética do ensaio.

A questão modernista que fascina Wen não está muito presente quando a lente se depara com os interiores. A arquitetura em si fica de fora e a presença humana se impõe. Muitos planos são abertos, mas nada se vê efetivamente de amplo. Ao contrário, o olho busca os detalhes, os cantos, os quadros numa parede, os porta-retratos em uma mesa, o ímã de geladeira, a almofada sobre o sofá. O formato pequeno do livro contribui para cativar o olhar do observador e direcioná-lo para as miudezas. É um mapa amoroso e silencioso o que APTO propõe, um registro de ocupação cujos personagens ainda se confundem com aqueles recebidos pela cidade nos tempos da inauguração.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação