O cofre da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro guarda um tesouro raramente mostrado ao público. Nos gaveteiros trancados com chaves e segredos está uma coleção de 30 mil gravuras construída pelos nobres de Portugal e continuadas também em solo brasileiro. É da parte mais preciosa desse acervo que trata a mostra Mestres da gravura, em cartaz no Museu Nacional dos Correios, reformado para se tornar um centro cultural capaz de receber todo tipo de exposição.
A coleção de gravura hoje guardada na Biblioteca Nacional pertencia à Real Biblioteca, o templo do conhecimento dos reis portugueses nos séculos 16, 17 e 18. O colecionismo de gravuras era hábito e símbolo de poder. Os reis se encantavam por qualquer técnica capaz de abranger desde a simples reprodução de obras de arte e o essencial mundo da cartografia, que fez Portugal protagonizar a era das navegações e até inovações na linguagem artística.
Emissários dos reis portugueses percorriam o mundo em busca do melhor da produção gráfica da Europa e além-mar. Resultado: reuniram uma das mais importantes e abrangentes coleções de gravura do mundo. Uma parte se perdeu após o terremoto, o maremoto e o incêndio que devastaram Lisboa em 1755, mas dom João VI conseguiu salvar das mãos de Napoleão boa parte do que restou ao mandar tudo para o Brasil, no início do século 19. Nesse acervo, hoje patrimônio brasileiro, a curadora Fernanda Terra pescou as 170 gravuras expostas em Brasília.
As obras foram produzidas entre os séculos 15 e 18 pelos artistas mais importantes de diversas escolas europeias. ;São as mais importantes da origem da gravura no mundo, elas passaram por muitos fatos históricos. Teve o incêndio e o maremoto, a vinda para o Brasil. E essas que estão em Brasília são anteriores até ao terremoto;, explica Fernanda, que decidiu manter na mostra a classificação das coleções por países de origem dos artistas, como acontece na Biblioteca Nacional. ;Isso facilita o conhecimento das técnicas pelos visitantes.;
Cada coleção tem uma característica e um destaque, mas, certamente, os pontos altos da mostra estão nas obras de Albrecht Dürer, considerado o pioneiro da gravura na Europa, Rembrandt van Rijn e Francisco de Goya. ;Todas as coleções têm um artista que se destaca não só pela técnica, mas pela importância na história da arte. É um pouco um panorama que está nessa coleção;, garante Fernanda. Veja abaixo como está dividida a exposição e o que observar em algumas coleções.
AS COLEÇÕES
Alemã
; Albrecht Dürer e Lucas Cranach são os nomes mais importantes desse conjunto. ;Dürer é considerado o maior gravador de todos os tempos. Ele fazia gravura em madeira e em metal com uma destreza que poucos tinham. Geralmente os artistas se destacam em uma ou outra técnica;, lembra Fernanda Terra. A série Apocalipse representa de forma dramática a habilidade do artista: cada peça contém diversos planos e a leveza no traço permite um nível de detalhamento excepcional. Cranach também apreciava temas religiosos e trabalhou muito em uma interpretação menos católica e mais luterana das histórias bíblicas. Extratos da série A paixão de Cristo estão na mostra.
Holandesa
; Não há como escapar de Rembrandt van Rijn quando se fala em gravura holandesa do século 17. O mestre do claro-escuro na pintura soube explorar como poucos a técnica de sombras na produção gráfica. A anunciação aos pastores é um resumo de como Rembrantdt, conseguia manipular o claro e o escuro também na gravura em metal.
Francesa
; Jacques Callot produziu cerca de 1.405 gravuras. Eram impressas em pequenos formatos e colecionadas por toda a Europa. Rembrandt van Rijn gostava de guardá-las em seu acervo pessoal. São realmente impressionantes e diferentes as gravuras produzidas por Callot no século 17. Cenas de batalha marcam a série Les mis;res et les mal-heurs de la guerre. Em composições panorâmicas e planos abertos para dar a dimensão dos campos de batalhas convivem soldados, enforcados e condenados.
Inglesa
; Na feira de William Hogarth não existem heróis imaginários. No lugar dessas figuras dignas entram burgueses em situações cômicas. O artista foi um dos primeiros caricaturistas da Inglaterra e Southwark fair resume o que era capaz: a burguesia se esbalda nas mais bizarras formas de diversão na obra de 1733.
Espanhola
; Francisco de Goya questionou como poucos os absurdos de seu tempo em gravuras pautadas pela crítica social. Entristecido pela surdez e pelas dificuldades da velhice, o artista observou a sociedade espanhola dos séculos 18 e 19 com acidez. As guerras e a insanidade humana são pontos centrais de Os provérbios, uma das séries representadas na coleção da Biblioteca Nacional.
Italiana
; A arquitetura fascinava Giovanni Battista Piranesi e motivou Le carecere d;invezione, série na qual recria estruturas labirínticas sem perspectiva linear e cheias de construções tão impossíveis quanto oníricas. Ao mesmo tempo em que utilizou a gravura para reproduzir obras arquitetônicas históricas ; as ruínas de Herculano e Pompeia viraram gravuras em pequenos livros destinados a turistas ;, Piranesi criou suas próprias obras imaginárias na Itália do século 18.
Mestres das gravuras
Exposição de gravuras da coleção Fundação Biblioteca Nacional. Curadoria: Fernanda Terra. Visitação até 22 de abril, de terça a domingo, das 10h às 19h, no Museu Nacional dos Correios (SCS, Quadra 4, Bloco A, Ed. Apolo)