Nahima Maciel
postado em 27/01/2012 13:40
O Estádio Nacional está a cara de Brasília dos anos 1960. Sem gramado, muita terra vermelha na área central e rodeado pelo concreto aparente das arquibancadas. Mas olhando de dentro, já se pode imaginar o resultado final. Monumental, a arena que vai receber jogos da Copa do Mundo de 2014 ainda é um esqueleto, mas já todo formadinho. Quando o cineasta Bruno Bastos entrou na obra pela primeira vez, no ano passado se sentiu fisgado. Ele, que adora uma construção, ficou com aquela na cabeça. No último domingo, Bastos se empanturrou de satisfação ao filmar no meio da terra e do concreto, isso graças ao grupo Patubatê. Durante todo o dia, uma equipe de 22 pessoas, além dos cinco integrantes do grupo, ocupou o futuro gramado do estádio com câmeras e cenários para filmar as 12 faixas do primeiro DVD do Patubatê. Com R$ 70 mil obtidos de um edital do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) de 2010, o grupo enterrou a intenção de realizar o DVD em um teatro com a participação de crianças das escolas públicas e apelou para um plano b. A mistura de batucada com som eletrônico do Patubatê traz embutido um conceito que acompanha as atividades do grupo desde seu nascimento, há 11 anos, e as oficinas de instrumentos recicláveis com crianças fazem parte da rotina. Sem dinheiro suficiente, mas com muita criatividade em caixa, os músicos e o diretor miraram o Estádio Nacional.
Contra todas as probabilidades ; quando visitam a obra, equipes de televisão e jornalistas são confinadas a um espaço restrito e não podem caminhar no ;buraco; do estádio ;, conseguiram autorização do Governo do Distrito Federal e do consórcio que toca a construção para filmar no local. ;Tem tudo a ver com o grupo e é um momento que vai ser histórico;, repara Fred Magalhães, fundador do Patubatê. ;Quando entrei aqui, há 20 dias, tive a certeza de que teríamos várias locações possíveis.;
Além de gravar no futuro gramado, com objetos cênicos como uma carcaça de caminhão, um orelhão e os galões de PVC que servem de tambores, o diretor Bruno Bastos também optou por registrar todas as faixas em um espaço coberto embaixo da arquibancada, ao lado de caminhões e vergalhões provisórios. ;Curto pra caramba essa estética e resolvi fazer a equipe ficar aparente o tempo todo;, avisa Bastos. As roupas laranja e as galochas pretas obrigatórias para qualquer visitante facilitaram a ideia do diretor: a equipe se confunde com os operários e o cenário da obra.
O som industrial da mistura proposta pelo grupo encaixa no contexto e Fred acalenta a ambição de ver o Patubatê convidado para a abertura do estádio. Sem nenhum disco gravado, os cinco músicos decidiram partir direto para o DVD por razões puramente visuais. ;Somos muito performáticos e ouvindo a música nem sempre é possível visualizar o que é a performance;, explica Fred. Bruno Bastos usou a mesma estratégia explorada em Despacho urbano, com MV Bill, e no videoclipe Edom, do Innatura: nada de roteiro para limitar as tomadas.
Experiência
A sensação de deslumbre no centro do futuro palco do principal campeonato de futebol do mundo fez o baiano Pablo Maia, o mais novo integrante do grupo, refletir sobre o tempo. ;Nunca mais vamos passar por essa experiência. A gente tá vendo a criação da criança. Você olha em volta e pensa ;sou tão pequenino;.; Houve até uma pelada durante a mudança de set logo após o almoço de domingo. Com ecobola, claro, porque o trabalho com materiais ecossustentáveis e recicláveis é parte da alma do grupo.
A faixa Tou bolado é uma das mais divertidas. Começa distante, na arquibancada, com supostos operários jogando as bolas laranjadas para os membros do grupo que, em seguida, trocam os objetos por instrumentos. Rock a balde traz um dos instrumentos mais curiosos da banda: um conjunto de baldes de alumínio cravejados de tachas cujos sons lembram o pandeiro. Mega mix tem efeitos especiais com água e fumaça e Biritum Beirute simula um jogo de escravos de Jó com complexa sonorização e latas de bebida no lugar das caixas de fósforo.
Além das imagens do estádio, o DVD terá ainda gravações no Plano Piloto. Bruno Bastos quer a cidade evidenciada para mostrar a origem do grupo. Do projeto original com as crianças, a equipe vai tentar guardar a ideia traduzida em poucas sequências durante as oficinas. ;Pode ser que tudo isso venha a crescer;, arrisca o diretor, que também pensa nos extras durante as filmagens. ;Dá para fazer um grande documentário mostrando Brasília, o trabalho do Patubatê e a obra do estádio.;