Diversão e Arte

"Literatura não é nossa prioridade", diz presidente da Acadêmia de Letras

postado em 12/02/2012 06:00
Como aproximar a ABL da sociedade? Qual a definição da senhora para a Academia?
Desde sua criação, em 1897, a Academia tem buscado estar próxima da sociedade, seja incorporando aos seus quadros intelectuais oriundos dos mais diversos extratos sociais e procedências geográficas, seja promovendo ações culturais acessíveis aos cidadãos. Mais recentemente, com a disponibilidade de mais recursos e alguns patrocínios, temos podido incrementar essa atuação. Foi assim que, para dar um exemplo muito próximo, em 2011, pusemos em prática uma imensa quantidade de atividades: cursos, ciclos de conferências, mesas-redondas, seminários, sessões de cinema, exposições (Dinah Silveira de Queiroz, Mauro Mota, José Guilherme Merquior), espetáculos teatrais, de música de concerto e popular,mantivemos atuantes as bibliotecas Lúcio de Mendonça (dedicada à obra dos acadêmicos) e Rodolfo Garcia (totalmente informatizada e que abriga coleções de ciências sociais, literatura, filosofia, história). A Galeria Manuel Bandeira abrigou nada menos que nove exposições, dando especial atenção a mostras de fotografias e aquarelas. Publicamos 48 volumes da nossa Série Essencial, além de darmos ao público edições regulares da Revista Brasileira, assim como os anais, anuários, discursos acadêmicos. Distribuímos os prêmios literários anuais (o mais destacado dos quais é o Prêmio Machado de Assis, por conjunto de obra, ano passado atribuído a Carlos Gulherme Mota). Enfim, nossa programação cultural procurou manter o espírito deste tempo que passa e voa, dando seguimento a uma linha de intensa oferta de serviços culturais totalmente gratuitos, abertos ao público e com transmissão direta através de nosso site na internet. Trouxemos para a ABL milhares de estudantes do ensino médio, realizando um vitorioso projeto de visitas guiadas às instalações do Petit Trianon e às atividades do Teatro R. Magalhães Jr. Atenta aos tempos que correm, a ABL está presente no Facebook e no Twitter, comentando e distribuindo dados de sua programação. Casa de memória, centro de reflexão e disseminação de conhecimento, a ABL não cessa de se renovar, sem perder de vista a tradição e a excelência, que são os critérios basilares de sua atuação.

O que acha da maneira política como a ABL concede as cadeiras? Considera isso como um problema?

Desculpe, mas essa premissa parte de um equívoco: a ABL não concede cadeiras. Os candidatos se inscrevem livremente e concorrem a elas. Para se candidatar a uma cadeira da Academia, basta ser brasileiro nato e ter escrito pelo menos um livro, conforme estabelecido nos Estatutos da Casa. Qualquer um nessas condições pode pleitear um lugar nela, quando houver vaga. Aquele que obtém a maioria absoluta dos votos está eleito. O critério de escolha é de cada acadêmico, inexistindo qualquer maneira institucional de orientação que não seja a preferência de cada um.

É possível modernizar a instituição? De que forma? E o que seria modernizar a ABL na sua concepção?
A Academia sempre refletiu seu tempo. Nos dias atuais, ela tem procurado manter-se atenta (ver resposta à pergunta n; 1, acima) à velocidade dos acontecimentos e das circunstâncias. Na gestão que ora se inicia, a dinâmica dos últimos anos será mantida, com as indispensáveis e compreensíveis adaptações. Mas convém lembrar também que a ABL é uma instituição (aliás, uma das mais antigas instituições culturais brasileiras) e, por isso, é naturalmente mais lenta que um indivíduo. Não tem, nem lhe compete ter, o dinamismo dos movimentos de vanguarda, que fazem avançar tendências por meio de tentativas e erros, e que lançam ou seguem modismos. Sua função é mais de preservação do que de lançamento. A cultura de uma sociedade engloba esses dois tipos de agentes e precisa que ambos existam ; o do experimentalismo e o da experiência. Ou, em outras palavras, o da transitoriedade da moda e o da permanência. A ABL representa muito mais a segunda opção que a primeira. Encarna experiência e permanência, embora não se feche às novidades. Mas diante do dilema, a tendência é girar pelas cercanias do verso de Drummond : "E como ficou chato ser moderno, agora serei eterno".

Literatura é prioridade na Academia? E como os acadêmicos que não têm realmente uma carreira literária transitam nesse meio?
Não. Ela foi criada nos moldes da Academia Francesa, que acolhe em seus quadros grandes expoentes da cultura da sociedade, em geral. Embora dê ênfase à literatura, essa prioridade não é obrigatória. Basta ver que, ao longo do tempo, grandes nomes como Osvaldo Cruz ou Santos Dumont foram acadêmicos e não eram literatos. Os fundadores da ABL fixaram a Literatura e a Língua Nacional como os marcos estatutários de orientação das atividades acadêmicas, muito embora, desde o início tenha estado, entre eles, muito presente a discussão de se ela deveria, ou não, ampliar sua atenção para abranger leque mais amplo de atividades (as ciências humanas e sociais, as artes). E logo a Academia passou a incorporar as diversas áreas do conhecimento e, com isso, admitir acadêmicos daí provenientes.

A ABL ainda é uma instituição muito conservadora? Em que sentido?
Se você considerar "conservadora" como "mantenedora", a ABL é, sim, uma instituição mantenadora de parte substancial da memória cultural nacional, mantenedora de suas tradições e da excelência de sua atuação. Se por "conservadora" estiver sugerindo uma Casa estagnada, ela está muito longe disso. Trata-se de uma instituição dinâmica, afinada com a contemporaneidade. Sua administração recorre a meios modernos. O setor de lexicografia mantém na internet seu tira-dúvidas, A ABL responde, um serviço de utilidade pública. É uma instituição antenada com o que considera não ser apenas um modismo passageiro e efêmero. Mas não é inovadora nem pretende ser, na medida em que não cria nem lança propostas culturais. Como expliquei antes, se o objetivo for descobrir o último grito ou o hit das paradas, a busca deverá ser feita em outro lugar ; e há muitos excelentes neste país jovem, inquieto e novidadeiro. Com alguns deles fazemos parcerias ocasionais. Mas seria até ridículo um grupo de quarenta pessoas entre 60 e 95 anos pretender exercer esse papel.

Falta cultura popular na ABL? Por que ela não está representada?
Não falta. A ABL é hoje um dinâmico Centro Cultural do Brasil e oferece ao público uma variada e intensa oferta de serviços culturais (que, recentemente, tem discutido de feiras populares a HQ, de grafitti a cordel, e apresentado os mais variados espetáculos). Além disso, temos uma visão ampla de cultura, não necessariamente segmentada e pulverizada por etiquetas. Procuramos privilegiar a cultura criadora individualizada. E, como explica o acadêmico Alfredo Bosi em seu livro Dialética da colonização, só essa cultura criadora individualizada é capaz de amorosamente fundir elementos da cultura erudita com a popular e a cultura de massa. Basta ver o que fizeram em suas obras acadêmicos como Manuel Bandeira, Dias Gomes e Jorge Amado entre os que nos precederam, ou Ariano Suassuna e João Ubaldo Ribeiro, atualmente, para nos darmos conta da força dessa presença.

O que acha da presença de grandes grupos estrangeiros no mercado editorial brasileiro?

Não temos subsídios para respondera esta pergunta. (acho melhor simplesmente pular essa pergunta, porque por si só daria duas páginas de resposta e não tem nada a ver diretamente com a ABL).

A senhora estudou artes plásticas, chegou a iniciar uma carreira de pintora, mas desviou para a literatura. O que resta daquela pintora na escritora de hoje?
Optei por privilegiar as palavras, mas continuo pintando até hoje.

O que a senhora, que já foi professora, acha necessário para impulsionar a educação o Brasil?

Apesar dos muitos avanços, a educação no Brasil, em todos os níveis, continua muito deficiente ; e as estatísticas recentes são bem a prova disso. Sempre propus uma transformação que envolva fundamentalmente o trinômio poder público/escola/professor. Sem que nos empenhemos por ações efetivas que mobilizem recursos de toda ordem no sentido de mudar o atual quadro, não devemos contar com melhorias no curto prazo.

O que significa para a senhora uma mulher presidir a ABL pela segunda vez em duas décadas?

Significa, sobretudo, muito trabalho e um desvio de minhas funções de escritora. E não creio que haja nada diferente nesse peso pelo fato de eu ser mulher. Na verdade eu não queria o cargo, inicialmente. Sou uma pessoa que escreve por necessidade. Além disso, publico muito. Não houve uma articulação para eu ser a Presidente. Mas, por rodízio, acabei sendo a candidata, eleita por unanimidade, o que me honra muito, envaidece, claro, mas também significa uma grande responsabilidade, de que farei o máximo esforço para dar conta.

A senhora lecionou em Sorbonne e conviveu com Roland Barthes, como foi essa experiência de viver longe do Brasil?
Eu era professora em colégios e faculdades. Nos primeiros dias de 1970, deixei o Brasil, onde estava inscrita para fazer um doutorado e começando a pesquisar para minha tese. Mas a situação política se mostrava insustentável. Na Europa, trabalhei como jornalista na revista Elle, em Paris, e na BBC de Londres. Tornei-me professora na Sorbonne e, nesse período, consegui participar de um seleto grupo de estudantes cujo mestre era Roland Barthes. Foi quando tive a oportunidade de desenvolver e defender a tese em Linguística e Semiologia sob sua orientação. Resultou no livro Recado no Nome (1976), que trata de Guimarães Rosa. Foi um período de muito enriquecimento intelectual e pessoal. Mas também de sofrimento. Exílio não é turismo e as condições eram muito duras. Retratei um pouco disso em meu romance Tropical Sol da Liberdade (1988). Sobrevivi como pude, mas só pensava em voltar.

Nos anos de Jornal do Brasil, a senhora teve algum contato com o trabalho do poeta "brasiliense" Reynaldo Jardim?
Não. Trabalhei no Jornal do Brasil a partir de dezembro de 1973. Reynaldo já saíra de lá havia quase dez anos. Fui apenas sua leitora e admiradora.

Como era lutar contra a censura nos anos de chumbo da ditadura?
Era uma guerrilha cotidiana, que buscava ser sutil e inteligente . E exaustiva, frustrante. Principalmente porque dirigi o jornalismo da Radio JB por 7 anos e minha experiência foi sobretudo com radiojornalismo ; o último nicho a ver abolida a censura previa, muito depois que ela foi suspensa para a mídia impressamas continuou atuando sobre radio e televisão, serviços concedidos pelo governo e sujeitos à cassação sumária da licença se desrespeitassem as proibições. E prisão para o jornalista desobediente.
As ordens vinham por telefone. Diariamente, a qualquer hora, o telefone podia tocar com uma nova proibição. Tentei institucionalizar alguns procedimentos mínimos de segurança, pedindo o nome do agente e o telefone de onde ele estava chamando. Somente após chamarmos de volta e conferirmos que não era trote, considerávamos a ordem recebida. Também anotávamos o nome de quem a recebera e o horário. A proibição era então escrita, pendurada num mural e uma cópia dela era arquivada. Era uma tentativa rudimentar de atribuir alguma responsabilidade à proibição, mas nada nos garantia de nada. Houve casos em que as autoridades disseram que haviam telefonado proibindo, sem que tivéssemos recebido qualquer telefonema. Uma palavra contra a outra. Mas, minimanente, se tratava de estabelecer alguma regra ; e os agentes concordaram com isso. De certo modo, também era uma garantia deles diante de seus superiores. Aprendi assim que a censura cresce no anonimato, como toda forma de covardia. Bastaram esses cuidados para que diminuísse o número de proibições recebidas. Mas nem por isso deixaram de ser diárias e plurais. As proibições atingiam os mais variados assuntos e não apenas a área política ou policial.
Eu nunca tinha trabalhado dessa forma. Por um lado, ficava indignada com essa pressão para fazer de minha profissão o contrário do que ela deveria ser, nos proibindo de informar o público e noticiar os fatos. Por outro lado, decidi não facilitar o trabalho da censura e não conceder a essa violência nem um milímetro de território além do inevitável, que ela nos impunha. Assim, sempre deixei muito clara minha posição aos mais de 30 jornalistas que eu chefiava. Eles entenderam e, desse modo, conseguimos ter um espírito de equipe entranhado e valente. Estávamos vivendo com uma censura prévia que nos impedia de publicar nosso texto. Não deixaríamos nunca que isso se transformasse numa autocensura que nos impedisse de apurar as notícias ou de redigi-las. Era uma equipe maravilhosa, muito jovem, saindo dos bancos universitários, e que topou trabalhar nessas condições.
Essa decisão nos custava muito mas garantiu atravessarmos esses anos com coragem e dignidade, de cabeça em pé. Significava trabalhar em dobro, inutilmente. Em alguns casos, entre 70 e 80% do que tínhamos preparado não podia ser aproveitado ; e isso implicava ter sempre de reserva algum material para substituir o que não podia ir ao ar. Ou seja, ter notícias prontas que não eram muito importantes (ou versões mais longas das noticias de mais relevo) mas que poderiam preencher os minutos que por acaso fossem cortados do noticiário em cima da hora. Sabíamos que a maior parte do que produzíamos iria para a cesta de papéis. Era muito frustrante. Mas tinha a vantagem de podermos nos orgulhar por não estarmos colaborando com a ditadura. A pauta de reportagem era determinada no início de cada dia como se não houvesse censura. Os repórteres iam para a rua como se tivessem toda a liberdade e apuravam o que viam e ouviam. Voltavam e escreviam o que tinham apurado. Esse texto era passado para os redatores que, então, junto aos editores de plantão, avaliavam até onde se podia tentar ir. Em alguns casos, arriscávamos além do que mandava a prudência: na meia hora final antes do jornal ir ao ar, tirávamos do gancho todos os telefones da redação para que os censores não conseguissem falar conosco. Assim, muitas vezes, em algumas das edições algumas notícias eram divulgadas, antes da proibição ser recebida. Outras vezes, embora tudo indicasse que seria proibida, por algum motivo o assunto passava desapercebido e não nos chegava veto algum. Ia ao ar, contra todas as expectativas, porque tínhamos apurado e redigido a notícia. Ninguém mais o tinha feito. Os ouvintes logo descobriram isso e transformaram nossos noticiários nos mais ouvidos e mais prestigiados do país. Além disso, desde que foi suspensa a censura prévia ao jornal impresso, cuja redação funcionava no mesmo prédio e no mesmo andar, eu passei a levar pessoalmente para eles, todo dia, aquilo que tínhamos apurado mas não pudéramos divulgar na radio . Entregava em mãos do responsável por uma coluna de muito prestígio, o Informe JB. Quase sempre, ele divulgava, sabendo que era o assunto mais quente do dia, porque a censura o proibira na rádio. Ou seja, bem ou mal, íamos conseguindo canalizar o que apurávamos para alguma forma de divulgação.
Tenho um depoimento mais detalhado sobre o assunto no meu mais recente livro de ensaios, Silenciosa Algazarra, publicado no ano passado pela Companhia das Letras.


Os jovens de hoje em dia lêem como os de antigamente? A concorrência com a internet atrapalha?
Não sei se respondo à sua pergunta, mas hoje eu saúdo a vitalidade do segmento editorial da literatura infantil. É um dos que mais crescem no mercado brasileiro. Nossa literatura infantil é original, sem preocupações didáticas nem moralistas e com capacidade de aliar crítica com a expansão da imaginação.

Como exportar a literatura brasileira? Por que não conseguimos emplacar um prêmio Nobel? A língua portuguesa é uma língua decadente?

Posso falar de minha experiência pessoal: são 40 anos de carreira, mais de cem livros publicados no Brasil e em mais de 18 países, somando mais de 18 milhões de exemplares vendidos. Meus livros são exportados, assim como os de muitos autores. Quando à última parte da tua pergunta, garanto que não é uma língua decadente. Cerca de 300 milhões de pessoas falam o português. Não sei por que não conseguimos emplacar um prêmio Nobel. Isso só quem poderia explicar é o comitê sueco que decide. Mas um ligeiro palpite me sopra que talvez sejamos vítimas do fato de termos tantos merecedores que não concentramos o foco das pressões sobre um único nome e nos dispersamos muito. Por exemplo, se os jurados querem premiar um lituano, um austríaco ou um romeno, poderão concentrar sua análise em poucos nomes. Já um brasileiro... Cada especialista consultado provavelmente indicará pelo menos 3 ou 4 nomes que considera merecedores. Pulveriza-se demais, gerando uma lista longa para o exame, numa língua da qual as traduções são raras, esporádicas, e nem sempre seguem um critério de qualidade literária, preferindo frequentemente ceder a injunções de marketing ou comerciais.

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