Ao fazer sua primeira incursão pelo Nordeste, em 1971, Paulinho da Viola chegou a Recife para apresentar dois shows. A acolhida calorosa que recebeu, porém, o levou a ficar por quase um mês na capital pernambucana, hóspede de Maria José Aureliano, a Dedé, uma professora, vista pelo cantor e compositor carioca como afirmativa e independente.
;Ela era feminista nas atitudes, antes do movimento da libertação da mulher. Ideologicamente de esquerda, chocou a sociedade recifense, onde desfrutava de alto conceito, ao separar-se do marido nos anos 1950, abrindo mão da pensão e assumindo uma vida economicamente ativa;, destaca Paulinho. ;À minha mãe (Paula), Dedé pediu para me chamar de filho, o que lhe foi concedido;, lembra.
Depois de retornar ao Rio de Janeiro, o sambista e a mãe adotiva continuaram a se comunicar por cartas. ;Até hoje guardo essas correspondências com muito carinho;, diz. Movido pela afetividade, Paulinho compôs naquele ano Para um amor no Recife, dedicada a Dedé. Hoje, ele reafirma que a música ;era uma metáfora intencional sobre as distâncias e o silêncio que marcavam as relações entre amigos e artistas nos anos da ditadura militar;.
A ;longa noite; do verso em que promete voltar depressa para beijar a amiga é uma referência direta à sombra que se abateu sobre o país no período em que o Brasil viveu sob regime militar e que levou à prisão quem, de forma corajosa, se opunha ao sistema. Gente como a uruguaia Maria Cristina Uslenghi ; naturalizada brasileira desde 2003.
No livro A vida quer coragem, biografia da presidente Dilma Rousseff, escrita pelo jornalista Ricardo Amaral, Maria Cristina (de Castro, atual sobrenome) surge como personagem, no capítulo intitulado Tão logo a noite acabe ; frase extraída da letra da canção de Paulinho. O autor conta que, filiada ao Partido Socialista em seu país, Cristina entrou para a guerrilha no Brasil, levada pela paixão que nutria pelo ativista Tarzan de Castro, militante do PCdoB, treinado na China, preso em 1969, e amigo de Carlos Araújo, ex-marido de Dilma.