Diversão e Arte

Livro de Edgar Allan Poe reúne e compara as diversas traduções de O corvo

postado em 20/03/2012 08:00
A fantasmagoria permanente de O corvo, o célebre e popular poema de Edgar Allan Poe, não é cultuada apenas pelos leitores fãs do escritor norte-americano. No campo literário, o pesadelo do jovem narrador, tragado em espiral de loucura com o aparecimento de um corvo sobrenatural, também ressoou no cotidiano de outros grandes, como o francês Charles Baudelaire, o português Fernando Pessoa e o brasileiro Machado de Assis. Críticos e escritores tentaram decifrar os versos de Poe de uma maneira produtiva e desafiadora: traduzindo-o em outras línguas. O poeta e crítico Ivo Barroso, acostumado a manuscritos de William Shakespeare, Hermann Hesse e Umberto Eco, dedica um livro inteiro ao assunto, em O corvo e suas traduções (Leya).

No compêndio, prefaciado por Carlos Heitor Cony, Barroso reúne, além do original, em inglês (The raven), o artigo A filosofia da composição, publicado por Poe um ano após o poema, em 1846, e 11 traduções (três francesas e oito em português). ;O texto concentra uma tremenda energia poética, extravasada pela sua dicção. É um poema mais para ser dito que lido. O caso de ter tantas traduções é por ser de estrutura muito difícil. Tem um tipo de estrofe próprio, métrica totalmente diversa dos outros poemas em língua inglesa e macetes, como a mesma rima três vezes num verso e uma quantidade incrível de aliterações. Conseguir equivalência em qualquer outra língua exige um trabalho cuidadoso e demorado;, conta o autor.


Trechos do livro O corvo e suas traduções, organizado por Ivo Barroso


O corvo e suas traduções

Há em "O corvo", de Edgar Allan Poe, uma tal interdependência entre o conteúdo emotivo e seu suporte estrutural, que qualquer tentativa ou intuito de alterá-la concorre fatalmente para a diluição ou mesmo para a dissolução do encantamento poético causado precisamente por essa combinação.


Desde sua publicação, e 29 de janeiro de 1845, já o primeiro resenhador chamava a atenção do público americano para os efeitos de aliteração e o jogo de sons em lugares incomuns, dos quais se valia o poeta para criar um clima suscetível de extravasar os sentimentos de perenidade amorosa, de saudade angustiante e de cruel fatalismo que constituem os núcleos de geradores do pathos, ou da emoção do poema. Daí o malogro das tentativas de traduzi-lo em prosa, como o fizeram Baudelaire e Mallarmé, que -- apesar de poetas geniais -- foram, no entanto, incapazes de reproduzir, em língua francesa, as cores, os timbres e os ritmos do original.



A filosofia da composição, de Edgar Allan Poe


Há um erro radical, acho, na maneira habitual de construir-se uma ficção. Ou a história nos concede uma tese, ou uma é sugerida por um incidente do dia, ou, no melhor caso, o autor senta-se para trabalhar na combinação de acontecimentos impressionantes, para formar simplesmente a base narrativa, planejando, geralmente, encher de descrições, diálogos ou comentários autorais todas as lacunas do fato ou da ação que se possam tornar aparentes, de página a página.


Eu prefiro começar com a consideração de um efeito. Mantendo sempre a originalidade em vista (pois é falso a si mesmo quem se arrisca a dispensar uma fonte de interesse tão evidente e tão facilmente alcançável), digo-me, em primeiro lugar: "Dentre os inúmeros efeitos, ou impressões a que são suscetíveis o coração, a inteligência ou, mais geralmente, a alma, qual vou eu, na ocasião atual, escolher?". Tendo escolhido primeiro um assunto novelesco e depois um efeito vivo, considero se seria melhor trabalhar com os incidentesou com o tom -- depois de procurar em torno de mim (ou melhor, dentro) aquelas combinaçõesde tom e acontecimento que melhor me auxiliem na construção do efeito.


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