Diversão e Arte

Diretor norte-americano Abel Ferrara critica o esquema industrial do cinema

postado em 24/04/2012 09:53
Abel Ferrara não para quieto um segundo. Passou um bom tempo sentado conversando com cinéfilos na sala de cinema do CCBB, onde esteve no último domingo à noite. O debate, ponto alto da mostra que recupera toda a carreira, deixou-o com as pernas duras, talvez. Agora, ele caminha rapidamente, os ombros largos balançando de um jeito engraçado ; um tipo meio gângster nova-iorquino ;, e os braços pesados, movimentados em sequências velozes. Ele põe a mão no bolso, rói o canto da unha e estica o cotovelo para trás, como numa espreguiçadeira invisível. De tão agitado, toma um espresso de pé, quase que de uma vez só. Quando separa os lábios e começa a falar sobre cinema, é o mais sereno e solidário possível.

Ferrara conversou com o Correio na penumbra de um restaurante da 202 Sul. As fontes em tamanho grande do cardápio indicavam massas e outras delícias mediterrâneas. O cineasta de 60 anos preferiu seguir a dieta leve de Shanyn Leigh, atual mulher e atriz de alguns filmes dele: salada com muçarela e bruschettas. Muita gente o chama de herdeiro (rebelde) de Scorsese por seus dramas urbanos perversos e cruéis ; como Vício frenético (1992) e O assassino da furadeira (1979). Mas Ferrara não dá a mínima para o que acontece em Los Angeles. Ele mora desde sempre no outro lado do país, em Nova York, e financia seus trabalhos com produtoras da Europa ou até da América Latina.

ENTREVISTA // ABEL FERRARA

Qual o estado do cinema independente hoje?
Há bons diretores, mas eles têm que provar que são bons. Porque existem duas coisas: há a realização e a distribuição do filme. Agora, a situação da distribuição e todo o negócio são sobre filmes em 3D, feitos com milhões de dólares e para conseguir milhões de dólares. Os filmes que eu amei, que me fizeram querer fazer, os que espero fazer e os que quero ver, para mim, não importa se 10, 10 mil ou 10 milhões de pessoas vão vê-los. Cinema é quando o capital e a arte se encontram. Você pode conseguir uma imagem em Mali ou Pequim e passar o seu ponto de vista para as pessoas. Estamos vivendo num tempo incrível. Não poderia imaginar isso quando comecei a fazer filmes.

Ainda se considera um outsider de Hollywood?
Nem estou em Hollywood. Não tem nada a ver comigo. Eu não vou lá. Houve um período em que trabalhei lá, fiz dinheiro lá, fiz parte do mundo de Hollywood, mas não estou lá agora. Meus filmes são financiados na Europa. Trabalho na internet. Sou um diretor nova-iorquino. Meu último filme (4:44 Last day on earth) foi financiado no Chile e na França. Hollywood é o último lugar no qual eu tentaria levantar dinheiro para os meus filmes. Não quero julgar ninguém, mas eu apenas não faço isso.

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