"Eu tento me atualizar", define a cineasta Julia De Simone, ao falar das infinitas possibilidades de instrumentos como Skype, Facebook e outros que dão acesso às relações virtuais. Se crê na falta de um distanciamento histórico, que quantifique ou qualifique os efeitos da democratização da difusão de informações e virais ("A gente tá engatinhando nisso", diz), aos 29 anos, a publicitária que jamais exerceu a profissão valeu-se das ferramentas virtuais para construir o filme Romance de formação, em cartaz na cidade. Selecionados entre mais de 70 estudantes listados por entidades como Fundação Estudar, Capes e CNPQ, quatro jovens, filmados por mais de 90 horas, deram corpo ao longa-metragem de estreia de Julia De Simone.
O "potencial narrativo" do cotidiano dos estudantes ; que chegaram a comandar pequenos autorregistros ; foi explorado por Julia De Simone, que se policiou para não incorrer na abordagem institucional. "Procurei mostrar o encontro dos jovens com algumas instituições. Não diria que eles ; isolados na solitária busca do aprendizado ; esqueceram a câmera, mas jogam ao lado da equipe do filme, como se gerassem personagens", explica Simone. A todo momento atenta para que a produção não se tornasse "dura e desinteressante", a diretora teve como referências (e não como um padrão) fitas originais como Entre os muros da escola (de Laurent Cantet, Palma de Ouro no Festival de Cannes) e Ser e ter (2002), um documentário francês que foi fenômeno de bilheteria em 2002.
"Eduardo Coutinho (Cabra marcado para morrer e Jogo de cena) ainda é a maior referência, mas em termos formais e temáticas, percebo uma distância", observa. "Olhar de interesse" e "vontade de descobertas" nortearam a obra da realizadora, que pelo recurso do cinema direto, mesclado com a veia de observação (construída por planos fixos), admite a proximidade com a escola holandesa que formou a brasiliense Maria Augusta Ramos (de Justiça e Juízo). Com forte identificação junto ao público universitário, Romance de formação fez sucesso nas sessões seguidas de debate.
"De certa forma, a fita ocupa um espaço vazio, reservado a temas de educação no cinema, como foi o caso do Pro dia nascer feliz (João Jardim)", comenta a diretora. Depois de um ano e meio de pós-graduação na Espanha, onde rodou o curta Encanto (2007) ; sobre senhores que criam pássaros para disputas de canto ;, ela centrou o foco no "perfil determinado de estudantes com objetivo de vida e ponto de chegada definidos".
A realização dessa busca foi antecedida por outros dois curtas: Estudo para o vento e Sinfonia. O primeiro foi bastante experimental, enquanto o outro cumpriu edital do Rumos Itaú Cultural, em torno de filmes sobre ruídos. Nele, despontam notas dissonantes e junção de restos e sons descartados, desde a fabricação de violinos, por luthier, até o momento em que são tocados por alunos de diferentes níveis.
Em Romance de formação, o centro de interesse é dado por brasileiros que galgaram bolsas integrais em estabelecimentos que vão da californiana Stanford ao conservatório alemão de Karlshure passando pela disputada Harvard e o Instituto Militar de Engenharia. "No documentário, driblei o risco de tropeçar em algo do tipo ;gente que faz;, indo pra linha chapa-branca", diz.
Despreocupada em discutir questões sociais, a cineasta não adotou discurso paternalista (enamorado de pobreza e de relações de fracasso) tão convergente, quando se trata de documentário. Pelo vetor do desenvolvimento, ela chegou à conclusão de que "a vida acaba ensinando mais". O aprendizado de Julia De Simone se dá numa casa em que os canais de televisão inexistem ("a tevê é só para DVD") e o poder de escolha opera: "Quis me jogar no mundo e me descobrir. Cada um se nutre do que quer".
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